Os fãs perdidos de White Stripes vão se lembrar de uma musiquinha divertida de três notas do álbum Elephant (2003), chamada “Well It’s True That We Love One Another”, na qual Meg White canta no refrão “eu amo Jack White como um irmãozinho” e Jack entoa um “Holly, me dê um pouco do seu amor inglês”.
Descobri pouco mais tarde que o terceiro elemento e protagonista dessa canção, Holly Golightly – batizada assim em homenagem à bonequinha de luxo de Truman Capote – é uma das mais proeminentes vozes do lo-fi e do garage rock britânico. Desde essa feliz descoberta através do Elephant, entrei de cabeça na obra dessa mulher e nunca mais parei de escutá-la (ainda bem).
Por mais de 20 anos e ainda em atividade, Holly tem sido uma compositora densa, envolvente e pouco conhecida no mainstream. Apesar de 21 discos oficiais gravados em carreira solo (21 discos!), sem contar demos, EPs, discos-parcerias com outros músicos e bandas anteriores, não é tão fácil encontrar muita informação sobre ela pela internet. Há rumores de que está vivendo em algum canto da América do Sul, atualmente. Talvez nunca saibamos e isso pouco importa. O fato é que Holly leva o garage a sério, como um estilo de vida. E apesar da consistência de sua obra e da qualidade de suas letras raramente encontrada por aí, a fama parece importar pouco ou nada, o que a torna mais fascinante. No jargão popular: “que mulherão da porra”.
É por seu importante papel como fundadora da sensacional Thee Headcoetees, banda de punk-garage formada só por mulheres no final dos anos 90, e pela carreira solo, que seguiu a partir de então, que ela continua até hoje sendo um elemento bastante influenciador no meio underground e fora dele. Jack White que o diga.
Walk A Mile In My Shoes
A fórmula é simples: uma ou duas guitarrinhas cruas, um vocal sujo e às vezes sensual, baladas que variam de humores tristes para outros agressivos; letras sobre desamores, sobre liberdade, sobre términos, lágrimas derramadas, destinos desencontrados, promessas, promessas, promessas.
Em uma das poucas entrevistas disponíveis com a compositora que li certa vez, ela afirma que entrou de cabeça no universo do R&B das décadas de 1950 e 60 muitos anos atrás – e nunca mais saiu dele, de certa maneira. Holly conta que enquanto dissecava essa época em suas pesquisas, essencialmente canções gospel, voltou atrás em sua busca e, ao invés de alcançar o céu pelo gospel, ela alcançou o que realmente procurava.
O fato é que Holly leva o garage a sério, como um estilo de vida. E apesar da consistência de sua obra e da qualidade de suas letras raramente encontrada por aí, a fama parece importar pouco ou nada, o que a torna mais fascinante.
“Existe uma fórmula para isso (para a música gospel) que consiste basicamente em fazer as pessoas sentirem que conhecem aquilo sem nunca terem ouvido antes, há algo naquilo; e é o que a boa música de igreja faz, de fato: é inclusiva”.
E falando em música gospel, parece que a cantora aprendeu a lição espiritual tão bem (ou tão mal) que compôs várias letras sobre Jesus Cristo distribuídas pelos seus discos. A mais legal delas talvez seja a enérgica e sarcástica “Getting High For Jesus”, do álbum Dirt Don’t Hurt (Holly Golightly & The Brokeoffs, de 2008). Em tradução livre:
“Bem, eu juro que não fiz isso
Foi muito antes do meu tempo
E eu nunca fiz nada errado
Que Jesus teve que morrer
Santo Moisés! Senhor, tenha piedade
Glória seja
Bem, eu estou *ficando alto para Jesus
Porque ele ficou tão baixo por mim”
* Getting high: gíria para ficar bêbado ou chapado.
Apesar de se sustentar com todas essas matemáticas retrôs de sonoridades do passado, seu trabalho solo revela uma artista explosivamente criativa e profundamente emocional. A música a serviço da mais extraordinária expressão do sentimento, assim como fez Elliott Smith dentro de seu próprio estilo.
Parceria com Billy Childish
Há cinco anos, o The Guardian apresentou um mini-documentário sobre o multi-artista Billy Childish, um ícone cult do Reino Unido (veja aqui). Músico, pintor e poeta, Childish largou a escola aos 16 anos após ser diagnosticado com dislexia grave, mas não perdeu tempo de vida: gravou mais de 125 discos em quarenta anos de carreira, escreveu centenas de poesias obscenas e produziu uma boa quantidade de pinturas pelas quais ficou bastante conhecido. Billy Childish parece ser uma espécie de Holly Golightly encarnada em corpo de homem. Suas sonoridades e seus respectivos estilos são tão sintonizados que a dupla gravou juntos o ótimo álbum In Blood. Vale escutar.
“Você tem um minuto para ouvir a palavra de Holly Golightly?”
Só para fechar essa ode, a tarefa de recomendar apenas dois ou três trabalhos dessa mulher chega a ser um tanto ingrata, mas sempre vale a pena tentar propagar sua palavra e riffs. Para quem não conhece o trabalho dela, eu indicaria dois caminhos. O primeiro, é aderir à roleta-russa: entre no Spotify (pode ser no YouTube também, vai), escolha qualquer disco de Holly (vai na fé, julgue pela capa mesmo) e aperta o play. Tenho minhas crenças de que nada será decepcionante.
Mas se você quiser uma dica mais pontual, recomendaria os seguintes álbuns:
– Truly She Is None Other: faixas “Tell Me So I Know”, “There’s an End”, “Without You Here” (ouça abaixo);
– God Don’t Like It: faixas “Nothing You Can Say”, “Use Me”, “Here Beside You” (ouça aqui)
– Slowly But Surely: faixas “On The Fire”, “My Love Is”, “Won’t Come Between” (ouça aqui);
– Laugh It Up: faixas “It’s All Over Now”, “Trouble Is On My Mind”, “You Ain’t No Big Thing” (ouça aqui).