Piraquara, em seus 129 anos, vive uma realidade bastante atípica dentro da Grande Curitiba. Situada na APA da Bacia do Rio Iraí, a cidade possui inúmeras restrições legais e ambientais para o desenvolvimento de atividades industriais, reflexo óbvio nos baixos índices econômicos e de desenvolvimento humano do município paranaense. Desde a área remanescente da mata das araucárias, na entrada da cidade, à sua característica de cidade dormitório, os impactos sobre as idiossincrasias citadinas são evidentes.
É difícil dissociar o contraste entre cidade e cidadãos, abundância ambiental e baixo IDH quando se encara de frente o trabalho do trio de stoner In the Rosemary Dreams. Anderson Lima, Zarce Matos e Alexander Medina lançaram no início deste ano o EP ITRD. Em apenas 4 faixas, o trio de Piraquara rascunha um registro que diz muito sobre sua própria vivência, trazendo o peso do stoner mas também flertando com elementos de rock progressivo, que oferecem uma cadência interessante a ITRD.
Em fase de pré-produção de um álbum completo, ITRD dá uma boa dimensão do que esperar da In the Rosemary Dreams. Enquanto as linhas de baixo rememoram com suingue uma Piraquara abastada, guitarras, baterias e os vocais teatrais de Anderson Lima conferem à banda um som massivo, que procura emular um caos calculado enquanto faz questão de deixar evidente a unidade entre o power trio. Riffs interessantes, velocidade vertiginosa e guitarras ácidas, mesmo que pequenos clichês do gênero saltitem aqui e ali nas quatro canções.
Não há dúvidas que o groove oferecido pela In the Rosemary Dreams é sua maior pujança, transitando a sonoridade por um ritmo meio caudaloso.
Não há dúvidas que o groove oferecido pela In the Rosemary Dreams é sua maior pujança, transitando a sonoridade por um ritmo meio caudaloso. Claro que no meio da grandeza que entregam, existem armadilhas, especialmente quando repetem o efeito no vocal (bem característico dos trabalhos de Josh Homme à frente do Queens of the Stone Age). É certo que ele dá uma amplitude melodramática às canções, mas também impõe dificuldades, especialmente quando parece ofuscar o brilho dos riffs, bem compostos, já que o efeito acaba por preencher o fundo de quase todas as faixas de ITRD.
O próprio QotSA procura utilizar outras ambientações sonoras em suas músicas (como os efeitos de rádio, por exemplo), que torna o resultado um tanto menos intrusivo na melodia. Em contrapartida, todas as quatro músicas do EP carregam um ar de espontaneidade saudável, um resultado interessante para um registro que poderia acrescentar mais preenchimento do próprio stoner.
Se o desejo com a exposição utilizada para as canções na playlist no YouTube era criar uma aura enigmática, o power trio sai vitorioso, já que como atributo estético ela casa bem com as faixas (é possível, até, associar com as vinhetas que Vincent Gilligan fez para Breaking Bad e Better Call Saul). É exagero dizer que a banda de Piraquara desafia convenções, mas ela certamente sai do inesperado para compor um retrato de toda essa idiossincrasia, até certo ponto, bem interessante. Aguardemos o que vem adiante.