Em 1970, quando exilado na França, Geraldo Vandré gravou um compacto simples e o lançou com o nome de La Passion Bresilienne. Levariam mais três anos para que ele retornasse ao Brasil e o lançasse aqui como seu quinto álbum de estúdio. O disco recebeu o nome de Das Terras de Benvirá, e também batizava uma faixa homônima em seu lado A. Mais de 40 anos depois, Benvirá é como foi chamado o primeiro disco do músico Julien Guimarães, que na música assina apenas como Julien.
É bem difícil não criar associações entre o registro de Vandré e o de Julien. Os arranjos soam ligeiramente melancólicos, compondo um tecido leve que trafega entre o lamento, a instrospecção e a contação de histórias. Julien nos conduz por dramáticos registros de uma geração que se vê diante de novas (velhas) barbáries e ainda assim subverte a realidade para seguir em frente.
A interpretação do músico é decisiva ao estabelecer este diálogo que entrelaça fraseados melancólicos, a sede de justiça social e a ânsia de dar rosto e voz a histórias de personagens ocultos, ecoando as sensações de uma tristeza mal curada, uma quase súplica, enquanto simultaneamente o artista exige de nós a humilde aceitação dessa vontade de seguir adiante, afinal, as ganas de viver perpassam.
Com sua voz, Julien privilegia as histórias ocultas, desnudando a violência clandestina da vida que exige a resistência (e a resiliência), a vida obrigada à condição marginal.
Julien ganha a força de parceiros como Yasmine Matusita, Luciano Faccini, Isaac Dias e Luis Otavio, que acrescentam camadas que se sucedem de maneira quase indistinta e tornam as composições plurais. Mas não é só. O cantor também se empresta de sua veia de roteirista e escreve uma narrativa que brinda os ouvintes com uma fusão entre o cancioneiro popular e os velhos repentistas e seus versos messiânicos. Com sua voz, Julien privilegia as histórias ocultas, desnudando a violência clandestina da vida que exige a resistência (e a resiliência), a vida obrigada à condição marginal.
O passeio de Julien em Benvirá resgata trajetórias de formas muito brasileiras de contar causos, repassar as tradições e abordar temáticas sociais através da sentimentalidade tipicamente artística. Essa característica imprime um caráter popular, próximo, digesto, extirpando qualquer pretenso embate entre arte culta versus inculta. Ser popular é, também, não subestimar o público, e exigir dele uma entrega completa, certo de que ele terá uma camada de argamassa cultural suficiente para dar base a novas significações de cada verso, cada estrofe e cada riff.
Julien e seu Benvirá dão prosseguimento a esta nova geração de músicos e músicas que abraçam uma MPB mais popular, mais próxima e convidativa. E este é o momento em que Julien e Vandré distanciam-se. Se para o músico paraibano, a cultura brasileira está massificada, o goiano radicado em Curitiba enxerga nessas vielas e transversais a saída para entender o próximo, e um espelho onde também é possível se ver. Para tempos tão obscuros, a música curitibana nunca foi tanta luz e sabedoria para um país que sangra cotidianamente.