É fácil odiar Kanye West. Ele é arrogante, age como um machista, é muitas vezes babaca com as outras pessoas e fala muita besteira. Ele faz shows como se fosse Jesus – ele até se chama de Yeezus; ele é casado com uma Kardashian; ele tem uma marca de roupas que consegue ofuscar a semana de moda de Nova Iorque com seus eventos. Do outro lado, ele tem uma carreira que definiu boa parte do rap norte-americano neste século, ele chegou ao topo e todos querem trabalhar com ele. Para qualquer rapper, estar em um disco de Kanye é uma conquista. Paul McCartney já dividiu estúdio com ele, assim como uma lista longa de estrelas pop e artistas alternativos, de Rihanna a Bon Iver. Ele é reconhecidamente um dos melhores produtores de hip-hop já vistos, com uma capacidade incrível de misturar samples de clássicos e b-sides de jazz, soul e R&B entre suas letras. Ele adora dizer que quer ser o maior artista de todos os tempos e que tudo em que ele toca vira ouro. Kanye West é um evento, é mais que um rapper. É um personagem midiático megalomaníaco e pretensioso, acima da pessoa, e sua música reflete isso.
The Life of Pablo, seu sétimo disco de estúdio, vem completamente envolto no evento que é Kanye West. O disco foi anunciado várias vezes, a cada mês mudava de nome com um tweet de Kanye explicando – de So Help Me God para SWISH para WAVES e enfim The Life of Pablo, dias antes do lançamento feito durante um desfile de moda em NY, com nova coleção da marca de roupas do artista. O tracklist do disco mudou assim como o nome, com Kanye tirando e colocando faixas até o instante final. Até depois de lançado (somente via stream no TIDAL), Kanye retirou o disco e colocou novamente online porque precisava “arrumar uma das faixas”.
A capa é horrorosa, mas não surpreende visto que Yeezus (2013) nem chegava a ter capa, somente um adesivo vermelho com os samples utilizados (algo que ele é obrigado a citar). O “Pablo” do título ninguém sabe quem é, se seria Escobar, Picasso ou o dublador do saudoso Qual é a Música. Em meio a todas essas mudanças, Kanye não parou de falar no Twitter, onde discutiu com outros rappers, vangloriou seu trabalho e disse que esse seria o melhor disco da história. Tudo isso, de certa forma, perde todo o sentido quando se escuta o álbum. Uma das mensagens que Kanye passa aqui é de que toda essa besteira não importa, nada disso importa, é a música ali que importa. A imprensa, sedenta pela próxima manchete e pelos shares no Facebook, transforma cada tweet de Kanye West em notícia, como uma grande descoberta. Tudo parte do evento Kanye West.
“Ultralight Beam” abre The Life of Pablo como um contraste para toda a confusão pré-lançamento. Fala sobre a relação de Kanye com Deus, tem samples de coro de igreja, um refrão lindo cantado por Kelly Price e a participação de Chance The Rapper. As duas partes de “Father Stretch My Hands” vêm na sequência e, de certa maneira, fecham um ciclo das três canções iniciais que passam boa parte da mensagem do álbum. Ele fala sobre relacionamentos passados e sobre família, sobre não ter tempo para ligar para casa por conta do trabalho e como isso o assusta por parecer seu próprio pai (que saiu de casa quando Kanye tinha três anos). Durante as 18 faixas que compõem o álbum, Kanye retorna para o assunto família e relacionamentos de forma emocional em outros momentos, como em “FML” e “Real Friends”, músicas que estão entre as melhores do disco.
Obviamente, por ser um disco de Kanye West, The Life of Pablo é cheio de exageros e momentos desnecessários, como a referência ao polêmico caso com Taylor Swift no VMA de 2009 e inúmeras descrições sexuais absurdas.
Obviamente, por ser um disco de Kanye West, The Life of Pablo é cheio de exageros e momentos desnecessários, como a referência ao polêmico caso com Taylor Swift no VMA de 2009 e inúmeras descrições sexuais absurdas. Há uma gravação de uma ligação de um programa de rádio para o rapper Max B, que diretamente da prisão diz que autoriza Kanye a usar o termo “wavy”, que ele teria criado, e que gerou uma discussão envolvendo Wiz Khalifa. Há, e nem é surpreendente falar isso quando se trata de West, uma música sobre ele mesmo chamada “I Love Kanye”, onde ele diz que criou todos os Kanyes dos últimos anos, os que as pessoas gostam e os que elas odeiam, além de todos os jovens que se inspiraram e quiseram ser como ele.
Como a maioria dos discos dele, The Life of Pablo é cheio de grandes participações da cena. Kendrick Lamar (provavelmente o rapper mais importante da atualidade), The Weeknd, o incrível Frank Ocean, Andre 3000, Future e Rihanna, além dos clássicos que aparecem em forma de sample, como Nina Simone, diva do jazz que Kanye usa com frequência em seus álbuns.
É nítido que Kanye muda a cada disco. Yeezus (2013) foi muito mais pretensioso e experimental que My Beautiful Dark Twisted Fantasy (2010), e The Life of Pablo é mais um passo na criação do personagem Kanye. Ele sabe que as polêmicas e as atitudes serão notícia por algumas semanas e logo darão espaço ao novo assunto da vez, mas sua música é o seu legado, e se ele quer ser o maior artista de todos os tempos, o legado é mais importante que o momento.