Ouvir o nome Karol Conka hoje é vislumbrar uma artista bem-sucedida, cujo trabalho transcendeu a música, arrebentou portas que fizeram com que chegasse à televisão, à moda e onde mais seus desejos assim permitirem. Contudo, a caminhada foi longa, muito longa.
Conka demorou a ser aceita na Curitiba onde surgiu para ganhar o mundo. Até estourar nacionalmente, a artista criada no bairro Alto Boqueirão, zona sul de Curitiba, passou despercebida por grande parte do público e mídia local, o que não chega a ser novidade para os artistas curitibanos, mas certamente reverbera o fato da cantora em questão ser negra, bissexual e periférica.
Ambulante, lançado nacionalmente em novembro de 2018, coloca Karol Conka com um microfone, muitas rimas e uma enxurrada de “respostas”, além de uma dúzia ou mais de versos e melodias sensuais. Nada escapou às canetadas precisas da curitibana, que apresenta nas entrelinhas do álbum um recorte generoso sobre suas atividades desde o estrondo de Batuk Freak.
Nos últimos três anos, Conka se viu no turbilhão de acusações de supostos plágios, que teriam tanto sido cometidos pela rapper paranaense, quanto praticados contra ela. Na faixa que abre o disco, “Kaça”, Karol Conka baila e desafia quem abusa da “livre inspiração” (termo utilizado com frequência no universo das artes para designar plágio) sobre sua obra. “Pode até tentar me imitar”, canta Conka, que afirma com veemência ser “original sem cópia”.
Conka é uma bandeira hasteada e que faz alarde. A cara de muitas lutas sobre pautas identitárias, a rapper brinca tanto com quem se aproxima para fazer usufruto do que ela representa, como com quem a questiona. Duramente criticada quando assinou uma coleção de bolsas em parceria com a grife Soleah, ela não desce do salto para fazer de “Bem Sucedida” uma saraivada de alfinetadas. “Mentes mal educadas se contentam com migalhas, enquanto eu e minha negrada tamo no topo da parada”, rima a curitibana, sobre uma densa e poderosa melodia.
Conka é uma bandeira hasteada e que faz alarde. A cara de muitas lutas sobre pautas identitárias, a rapper brinca tanto com quem se aproxima para fazer usufruto do que ela representa, como com quem a questiona.
Dali em diante, o clima de Ambulante muda. Karol Conka ainda desce a letra para mandar recados (no plural mesmo, pois são vários), tecer diálogos com seu público, porém o ritmo passa a fluir em outro compasso. Entre o pop dançante e batidas eletrônicas sensuais, é possível entreouvir influências como a de Rihanna, por exemplo. Tudo parece calculado: melodia, rimas, flow, de forma que a mensagem de Conka assuma diferentes variantes, mantendo-se sob o guarda-chuva do empoderamento, da libido, do corpo, da negritude, do feminino (e do feminismo).
Se o vogue de Karol parte do que está à margem, ou do que por sua condição social assim é visto, seu domínio é exercido com uma força desmedida, uma resposta ao julgo sob o qual essa potência periférica já foi – e ainda é – assombrada. A ironia, talvez, seja brincar na mesma medida, sem pudores ou meias palavras.
Com tanta pungência rítmica e verbal, Karol Conka se desvencilha das sombras dos que só falam, como versa em “Você Falou”, faixa que encerra Ambulante, numa explosão catártica para um registro que se propôs navegar as mais profundas camadas da mente deste ébano das araucárias. Entrou pelo rádio, nos tomou, e ninguém viu – mas todo mundo, ao que parece, ouviu… e gostou.
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