Charlie Sawyer foi, durante anos, estudioso da obra do eterno rei do blues, BB King, sendo responsável por escrever sua biografia. Um ano antes, no livro “The Once and Future King”, o autor especulava o que o futuro reservaria para King, abordando o que, para ele, era a questão mais tentadora: se o músico seria ou não alçado ao nível mais alto do estrelato, aquele que faz com que artistas transcendam o tempo e gerações. Um lugar no qual encontramos gênios da arte como Charlie Chaplin, Charlie Parker, Elvis Presley, Louis Armstrong, Marlon Brando e outros. O panteão artístico o qual passaria a habitar eternamente.
Por ser negro havia uma dificuldade maior para atingir tal ponto, no qual poderia assumir o papel como um representante da cultura norte-americana. Afinal, sair do Mississipi e adentrar o ponto genético da herança artística dos Estados Unidos, sendo um diplomata da música – não apenas negra – não é convencionalmente o destino para um músico saído de uma região com problemas raciais tão grandes.
Ele já tem seu lugar assegurado por tudo que realizou em vida, por cada nota e cada acorde que Lucille – maneira carinhosa como chamava suas guitarras Gibson – brilhantemente soou ao longo destes anos.
Ainda assim, BB King conseguiu magistralmente atravessar cada pedra que se entrepunha à sua arte. Desta forma, conseguimos assistir ao Rei do Blues (como ficou conhecido) deixar todo o drama para trás e tornar-se cidadão do mundo. Não sei se alguma vez perguntaram a ele se lhe interessava tal título, mas ainda assim seguiu em frente, tornando-se inclusive uma estrela pop, muito antes de Michael Jackson atingir esse status.
Tivemos o privilégio de assistir nos mais de 60 anos de carreira, iniciados naquele programa de rádio de Sonny Boy Williamsom em Memphis em 1948, à construção de um dos maiores ícones da música mundial. Mississipi deixou de ser a terra de Elvis para ser a de BB King.
Chamá-lo de cidadão do mundo é a forma mais correta – mesmo que não seja o suficiente – de se referir ao músico. Se em 1994 ele marcou história em sua turnê pela América do Sul – vendendo 7 vezes mais ingressos do que a capacidade do local, no show de Buenos Aires-, em 2012, ano de sua última passagem pelo Brasil, ele levou o público ao delírio. Seu show em Curitiba, no Teatro Guaíra, certamente nunca será esquecido pela cidade, nem por cada um dos fãs que lá estavam. Aqueles R$ 390 pelo ingresso mais barato, tornaram-se, hoje, um grande investimento.
Como a história lembrará BB King? Certamente é uma pergunta dificílima de responder. Ele já tem seu lugar assegurado por tudo que realizou em vida, por cada nota e cada acorde que Lucille – maneira carinhosa como chamava suas guitarras Gibson – brilhantemente soou ao longo destes anos. Podemos acrescentar ainda que o Rei contribuiu imensamente ao Blues, incentivando sua penetração no mainstream, criando uma identidade muito clara do gênero musical, tudo como resultado do seu imenso sucesso.
Também temos como parte de seu legado a contribuição para a tolerância racial. BB King fez com que a América branca experimentasse o que a América negra tinha de melhor, expondo e cruzando as duas culturas, influenciando um número infinito de artistas como, por exemplo, Eric Clapton e Stevie Ray Vaughan, além do também inigualável Jimi Hendrix. Não estranhe que entre as referências de seu guitarrista favorito esteja o Rei, afinal, ele como nenhum outro definiu o que a guitarra era capaz de oferecer.
Peço licença pelo trocadilho, mas hoje, o mundo ficou mais blue. Saravá, BB King.