Silêncio. Os primeiros acordes surgem com leveza e vão crescendo sem pressa, como alguém que acorda e demora alguns segundos para se acostumar com a claridade. Violinos e outros instrumentos de corda, sutileza e beleza. Três minutos se passam e vem a primeira distorção, entram instrumentos de sopro, o som aumenta, os acordes se repetem e se fortalecem e quase seis minutos depois outro silêncio. Tudo se repete, completa, distorce, reflete; entram gravações, pessoas falando como se fosse um rádio antigo.
É como uma construção, não parece uma música, é como uma história contada por impulsos emocionais do protagonista, por paisagens e visões, por cores. É como uma experiência de sinestesia, onde sons acionam sentidos que não deveriam estar aqui. São 22 minutos da primeira das quatro faixas de Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven (2000), o segundo disco do Godspeed You! Black Emperor, obra-prima essencial para entender o post-rock e a música instrumental dos últimos 15 anos.
Lançado no dia nove de outubro de 2000, o disco dos canadenses do GY!BE acabou de fazer aniversário e merece ser lembrado pelo legado que deixou. Com quase uma hora e meia de duração, a obra composta em quatro atos definiu na virada do século o gênero instrumental que criaria fãs apaixonados, cult following e que seria inspiração de muitos por pelo menos mais uma década. Assim como é impossível falar de shoegaze sem lembrar de Loveless (1993), do My Bloody Valentine, não há como debater post-rock sem Lift Your Skinny Fists.
Embora o gênero tenha aparecido anos antes, com o primeiro registro normalmente atribuído à uma resenha da revista Mojo para o disco Hex (1994), da banda britânica Bark Psychosis, e tenha bandas como o Slint e o Talk Talk (nos últimos dois discos) entre seus representantes, no fim dos anos 1990 e começo dos anos 2000 o post-rock teve sua “era de ouro” com discos que entrariam para a história. Caracterizado pelo som quase em sua totalidade instrumental, com instrumentos de rock usados para fazer algo mais ambiental, usando distorções, texturas e samples na construção das melodias.
Em Lift Your Skinny Fists o GY!BE adicionou tudo que as bandas pioneiras do gênero estavam fazendo, misturou samples de narrações, entrevistas, música country e barulhos aleatórios no meio de músicas de mais de 20 minutos com estruturas complexas de pausas silenciosas e harmoniosas orquestras. Pode se dizer que deste disco e do outro clássico, Ágætis byrjun (1999), do Sigur Rós, nasceram a maioria das bandas de sucesso do gênero nos anos seguintes.
Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven, o segundo disco do Godspeed You! Black Emperor, obra-prima essencial para entender o post-rock e a música instrumental dos últimos 15 anos.
No lado menos “sampleado” e experimental, focado no rock instrumental, Explosions In the Sky e God Is an Astronaut fizeram grandes discos nos meados dos anos 2000. Usando as partes eletrônicas, os britânicos do Maybeshewill lançaram o incrível Not for Want of Trying em 2008. Takk (2005), do Sigur Rós, e The Earth Is Not a Cold Dead Place (2003), do Explosions In the Sky, foram, aliás, os discos que criaram neste jornalista que aqui escreve o gosto pelo estilo.
No Japão o post-rock também fez sucesso, com projetos como o Mono e o World’s End Girlfriend, que lançaram juntos em 2006 o álbum Palmless Prayer/Mass Murder Refrain, com cinco atos instrumentais que somam mais de uma hora de rock instrumental recheado de violinos e música clássica. Uma obra que, provavelmente, não existiria sem Lift Your Skinny Fists Like Antennas to Heaven.
https://www.youtube.com/watch?v=Ziw4yd5R0QI
Várias dessas bandas ainda lançam discos atualmente, mas o gênero perdeu bastante do seu fôlego. O Mogwai, um dos grupos de post-rock mais produtivos e de sucesso, lançou no ano passado o oitavo disco, Rave Tapes, além da trilha sonora para a série Les Revenants, mas não chegou perto dos seus primeiros trabalhos.
Muito do gênero na segunda década do século XXI repete o que já foi feito anos atrás, sem muitas novidades, algo como o que acontece no shoegaze. No entanto, percebe-se o post-rock como ponto de inspiração para outros estilos, como bandas de hardcore que querem aprimorar o som instrumental, caso do Pianos Become The Teeth, citado em outro texto na Escotilha.
Como uma faísca sobrevivente da chama do estilo, a cena alternativa do Brasil produz muitas bandas de post-rock. Os curitibanos da ruído/mm e os paulistas da E a Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante são os grandes nomes, com ótimos discos recentes que se destacam em meio a tantas bandas de mais do mesmo na área indie. Em Curitiba a Rugas do Mar e a This Lonely Crowd ainda marcam presença, fazendo da capital paranaense destaque nacional do estilo.
Ainda no Sul, de Porto Alegre, o The Tape Disaster teve o seu disco Compilation lançado internacionalmente por um selo sul coreano. Quinze anos depois do primeiro acorde de “Storm”, o ato inicial de Lift Your Skinny Fists, o Godspeed You! Black Emperor ainda influencia muita gente, e obras que nasceram a partir do clássico certamente estão gravadas no tempo, disponíveis para novos ouvintes mergulharem nas camadas de som.
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