Muita coisa aconteceu nos últimos 28 anos. De Yo! Bum Rush The Show (1987) para o mais recente disco, Man Plans God Laughs, lançado esta semana, o Public Enemy mudou. Ou então, o que é mais provável, mudamos nós e nossas expectativas acerca de lançamentos de grupos expressivos na história da música. O disco me causou, nas primeiras audições, a mesma sensação que Cores & Valores, disco dos Racionais MC’s lançado no ano passado. Entre inúmeros papos com colegas, como o jornalista Marcelo Costa, do portal Scream & Yell, era consenso que muitas coisas haviam mudado no contexto social e político brasileiro, o que fazia com que os Racionais MC’s estivessem diferentes de, por exemplo, Sobrevivendo no Inferno.
Ora, não aconteceria o mesmo com o Public Enemy? O rap político e de contestação do grupo norte-americano surgiu durante a Guerra do Golfo, período em que boa parte das economias da América vivia em retração. Sendo assim, era de se imaginar que, musicalmente, o grupo também apresentaria mudanças em relação aos artistas que chamaram a atenção em faixas como “Fight the Power”, “Public Enemy Nº 1” (ambas do disco Fear of a Black Planet) e “Bring the Noise” (It Takes a Nation of Millions to Hold Us Back).
Seus três últimos discos já apresentaram sonoridades mais próximas ao hip hop feito atualmente, com elementos do pop, do soul e, principalmente, da música eletrônica. O marco mais representativo desta guinada talvez tenha sido How You Sell Soul to a Soulless People Who Sold Their Soul?, de 2007. O álbum, que continha a canção “Harder Than You Think” – tema do comercial do canal de televisão britânico Channel 4, durante as Paralímpiadas de 2012, em Londres -, apresentou um Public Enemy mais contemporâneo e menos político, mesmo que nunca tenham deixado de serem políticos em sua essência.
“Man Plans God Laughs é um recorte sobre os últimos 15 anos dos Estados Unidos, sempre pela visão da banda.”
Man Plans God Laughs é um recorte sobre os últimos 15 anos dos Estados Unidos, sempre pela visão da banda. São evidentes as influências de artistas como Kendrick Lamar e Kanye West nas músicas. Isso faz com que a primeira metade do disco seja muito carregada de elementos eletrônicos, o que foge bastante a característica do grupo de Long Island. É curioso que o grupo usa faixas como “Lost in Space Music” para fazer piada com o próprio gênero. A canção satiriza a disputa existente entre a chamada “geração de ouro” e a “geração milênio”. “Give Peace a Damn” chama a atenção por seus samplers e remixes carregados de sintetizadores, teclados e baterias eletrônicas.
A segunda metade de Man Plans God Laughs tem baixos mais pesados, com grooves que ditam um ritmo mais dançante, porém menos swingado, lembrando em muito o rap alternativo do início dos anos 1990. As bases e batidas de canções como “Earthizen” e “Corplantationopoly” mostram como, diferentemente dos Racionais MC’s, o Public Enemy consegue soar contemporâneo e sincero. Os scratches de DJ Lord e as guitarras de Khari Wynn causam um tremendo alívio. O grupo é vintage, é contemporâneo, é político e não dá a mínima, tudo em 11 faixas que já estão disponíveis nos principais serviços de streaming, incluindo o Spotify.