Introspecção, dor, maturidade e beleza. Curitiba é um aprendizado cotidiano de uma metrópole ainda pouco convidativa à vida em harmonia, que, por vezes, parece se regozijar na selva de pedra do concreto em detrimento à vibração do encontro. Ironias à parte, há uma sinergia que tem contemplado uma geração de letristas e músicos na capital paranaense, e o EP Vermelho Sangue, primeiro trabalho solo do músico Michel Martins – que aqui assina apenas como Martins – é mais uma amostra rouge nesta parte cinza do Brasil.
Há alguns dias, nesta mesma A Escotilha, em meu espaço às sextas-feiras, ao falar sobre as subcelebridades e a construção dos monstros midiáticos (leia o texto aqui), teci um comentário sobre a cultura pop (ou cultura de massa) e como ela muda de geração para geração, sem, no entanto, deixar de ser sempre contemporânea ao seu tempo e lugar, e não podendo ser definida como melhor ou pior.
Acauam Oliveira, colunista do interessante portal Chic Pop, escreveu no último mês de agosto um intrigante texto sobre a chamada MPB neo-indie. Vários pequenos detalhes me chamaram a atenção no texto de Oliveira, como, por exemplo, o juízo de valor do autor acerca desta nova geração de artistas da MPB – termo que, faço questão de lembrar, diz muito mais sobre tudo que não se conceitua erudito o suficiente do que sobre algo representativo de um gênero ou subgênero da música.
Discordo do autor que chama essa “nova onda” de irrelevante, ou calcada na “busca deliberada da irrelevância”. Creio que o sistema de valores determinado pelo crítico torne sua colocação como uma conclusão isolada, parcial. Entretanto, concordo com Acauam quando o assunto é a obviedade da música nacional, a entrega à incomplexidade de suas composições ou, pior, a mimetização dentro da “indústria da música”.
E o que Vermelho Sangue e Martins têm com isso? Por que desta epígrafe ao tratar do lançamento de um artista? Creio que parte das motivações estejam ligadas à necessidade de mostrar que nem tudo ligado ao neo-indie é irrelevante ou preguiçoso. Michel aposta em um folk lo-fi, carregando com uma melancolia agridoce suas composições.
Talvez a única lombada possível de ser identificada no trabalho seja a opção do músico por fazer uma obra estritamente nivelada, o que, em alguns momentos, causa uma certa morosidade no EP. Efeito semelhante o músico carioca Cícero deixou transparecer em Sábado e A Praia (leia aqui a crítica do disco). Mas em nada isto desmerece este primeiro passo solo do músico curitibano.
Vermelho Sangue é sim um registro sobre suas dores, sobre como certas incertezas e tropeços são capazes de ensinar sobre a vida, estando distante de um aprendizado que só vem através do erro. Em “Cinzas”, faixa que abre o EP, Martins convida que olhemos para dentro dele, iniciando a exposição milimétrica de um artista que não teve medo de se mostrar. O que poderia parecer uma estratégia pensada – que criaria uma falsa sensação de pertencimento – acaba soando sincero.
Vermelho Sangue é sim um registro sobre suas dores, sobre como certas incertezas e tropeços são capazes de ensinar sobre a vida.
O som do violão, essa coisa semi-acústica carregada principalmente em “Compreensão” e “Vermelho Sangue”, faixa homônima que encerra o EP, são o contraponto de “Carta Póstuma” e “Aliança Sem Nome”, canções mais densas liricamente e sonoramente. Não sei ao certo se era uma intenção, mas essas duas dobradinhas de faixas parecem conversar, como se fossem continuações desse esmiuçar na vida de Martins – mesmo que as duas primeiras citadas não estejam em sequência no disco.
A força de Vermelho Sangue está na apropriação de sentimentos e sensações tão comuns aos jovens adultos. Michel constrói um recorte dessa geração, da forma como encaram suas cicatrizes, às vezes com medo, às vezes demasiadamente entregues à tristeza, mas querendo sempre aprender com as situações para saírem melhores do que quando mergulharam nessa piscina de melancolia.
Estivéssemos falando de um momento mimético e não criativo, diria que o Paraná ganhou o seu Canções de Apartamento (Cícero, 2011), mas isso seria injusto com a criatividade e o esmero do cantor e compositor Michel Martins. O justo é dizer que ganhamos o nosso Vermelho Sangue e que esperamos que seja um início de um futuro fértil.