Existem dois discos que passam despercebidos do grande público, mas que possuem muita força no resgate das raízes do rock, ou roots rock como dizem os norte-americanos. São eles Sailing to Philadelphia, de Mark Knopfler, e Noel Gallagher’s High Flying Birds, da banda de mesmo nome do ex-Oasis Noel Gallagher. Roots rock é o elemento base na gênese do gênero que alimenta o cotidiano de boa parte dos amantes de música, e ainda há uma geração de fãs que prezam pelo gênero-raiz, até em detrimento às formas mais modernas como o indie rock, por exemplo. Nas suas características, a mistura homogênea entre folk, blues e country.
Falo destes álbuns porque é praticamente impossível não os trazer à memória ao ouvir o primeiro disco solo de Matheus Godoy, o homônimo Matheus Godoy, lançado no último domingo, 31. Com 10 faixas, o trabalho é produzido por Leonardo Montenegro e conta com a participação de inúmeros músicos, entre eles Giovanni Caruso (Escambau), Yan Lemos (Escambau, Les Infâmes de la Patria, Cavernoso Viñon) e Yuri Lemos (Crocodilla).
Godoy pincela suas ambiguidades, angústias e medos com arranjos que rompem a estética normativa do folk feito em território nacional, buscando um sincretismo musical digno do que melhor a música produziu nos últimos anos. Faixa após faixa cria-se um sentimento de pertencimento com a familiaridade das notas soltas por Matheus. O receio de que seu timbre pudesse eventualmente atrapalhá-lo some na primeira audição.
O disco extrapola gêneros, ainda que suas inspirações possam ser facilmente percebidas. O leitor pode perguntar o que diferencia o trabalho solo de Matheus do que o músico faz com Os Irmãos Carrilho, sendo que a graciosidade do cantor é presente em ambos. A questão é que Matheus Godoy constrói sua carreira menos baseada em virtuosismo técnico e mais em uma concepção estética em que o conjunto criado resulta em obra mais distinta.
A questão é que Matheus Godoy constrói sua carreira menos baseada em virtuosismo técnico e mais em uma concepção estética em que o conjunto criado resulta em obra mais distinta.
Provavelmente o desnudamento de Matheus seja muito maior neste trabalho, onde não há uma segunda voz, fazendo com que os talentos do artista fiquem mais à mostra e sejam beneficiados pelas estruturas simples de seu trabalho, uma ode ao conteúdo através de uma forma milimetricamente criada, ainda que minimalista.
O que fica perceptível no disco é o refino e a elegância aprimorada pelo tempo. A maturidade chegou até Matheus Godoy pela convergência de seus tantos contatos, pela forma representativa com que encaixa riffs e captura nossa atenção como em “No Meu Lugar”, ou pela paisagem campestre impressa em “Escada Acima”.
Há uma dinâmica no álbum que nos aproxima de Matheus, uma proximidade confortável pelo trovadorismo desse folk intimista da terra onde até motorista de ônibus usa cinza. Da gaita harmônica em “Porta de Casa”, do diálogo várias vezes presente com a estética blues dos Beatles, o sad de Elliott Smith, o propósito de Tom Petty, a humildade de Cash, uma orquestrada exposição do “eu” a um público que precisa merecer esse desnudamento.
Em síntese: um trabalho para ser consumido em disco, mas também ao vivo, nem que seja na base do violão e da timidez de Matheus. Repito o que disse em outras oportunidades: 2016 é um ano precioso para a música paranaense.