Transa, o icônico disco de Caetano Veloso lançado em 1972, não apresentava o melhor conjunto de canções do cantor. Ainda assim, sua imersão no pop e no rock britânico possui lugar na coleção de obras fundamentais à compreensão da música e da cultura brasileira.
Caetano oferecia aos ouvintes uma costura bem feita de referências musicais universais, que, aliada as canções menos bucólicas que as de seu disco anterior (Caetano Veloso, 1971), iniciou uma fase mais experimentalista do músico.
O lançamento do EP Mientras, do grupo curitibano e/ou, talvez seja, também, melhor representado por esse experimentalismo. Luciano Faccini, Luque Dias e Yasmine Matusita resgatam (na opinião deste articulista) o que de melhor o verbo experimentar possui em sua semântica.
Mientras é um exercício de compreensão, no qual os músicos tornam os olhos para aceitar o “nós” antes de entregarem-se ao “eu”. A faixa título “Mientras”, com seus cinquenta segundos de paisagem sonora na introdução, interrompidos pelo som da voz de Faccini, lembra toda a psicodelia e antropofagia do Tropicalismo. Cantada em espanhol, é um encontro com as raízes latinas, com as essências dos povos nativos sul-americanos. Em última instância, uma honesta (e merecida) homenagem a quem passou.
Mientras é um exercício de compreensão, no qual os músicos tornam os olhos para aceitar o ‘nós’ antes de entregarem-se ao ‘eu’.
Dali em diante, o trio constrói outras narrativas. “Mientras escríbo”, o e/ou apresenta a melancólica “All Over”, como se Leonard Cohen houvesse subvertido toda a matemática musical e composto um diálogo com “You Don’t Know Me”, do baiano de Santo Amaro. Há um buraco no peito, difícil de compreender se preexistente ou consequência da canção. É belo, porque há beleza por trás de toda dor.
“Samba do Dôdo” e “Desabitado” fazem Mientras retornar ao Brasil. A primeira poderia ser perfeitamente uma composição do eterno Paulinho da Viola, mas para a beleza de Curitiba e do Paraná, é filha da terra, é pinhão maduro. A segunda encerra o EP nos deixando sós, com buracos no peito, desabitados do mundo onde a música, essa arte encantadora, formatada em colagens de notas, é essencial ao encontro conosco e com o próximo.
A e/ou amadureceu nestes anos de palcos de bares, ruas e da Capela Santa Maria, e Mientras deixa isso óbvio, só não enxerga quem não quer ver. Também escancara a necessidade da convergência na cena local, da unidade, do encontro, do coletivo que pensa antes no “nós” porque sabe que faz do “eu” mais forte.
O trio não precisa de benção para ir adiante, pois o talento demonstrado nos últimos anos – e confirmado com o ousado EP, repleto de canções inéditas para o público – é suficiente para que sigam em frente, mantendo a essência da experimentação que lhes garantirá a originalidade. Ainda assim, Saravá.