Chega maio e com ela uma massa de ar fria se desloca em direção à região Sul do Brasil. Há quem busque um cobertor para se esquentar, há outros, como eu, que optam por uma música que seja capaz de colocar até a célula mais interior de seu corpo em ponto de ebulição. Meu encontro é com Marco Antônio (também responsável pelo projeto Obasquiat), Thiago Guglielmi e Digu Hang, a formação atual da Montanas Trio, as chamas por trás da Montanas Trio, grupo de Maringá, no Paraná, que lançou em janeiro seu terceiro álbum, Serviço Comunitário.
Foram quatro anos de intervalo desde Emancipação, cujas 10 faixas haviam sido compostas no vai e vem de viagens ao longo de 2014. O novo disco segue a fúria miscigenada entre rock, funk, punk e jazz (sempre pesando a mão no groove), que caracterizam a sonoridade da Montanas Trio. Mas há um porém: Serviço Comunitário também segue levando adiante problemas de produção que já deveriam ter sido sanados a esta altura do tempo. Afinal, a banda já não é uma estreante. Explico.
Produzido pelo Pé de Manga Studio, também responsável por ótimos trabalhos como do Sollado Brazilian Groove, o álbum carrega em suas faixas, especialmente as iniciais, uma espécie de vibração acústica constante nos vocais e instrumentos de corda que confere uma estética amadora, como se os instrumentais tivessem sido gravados em um estúdio caseiro, ou mesmo de forma mais rudimentar.
De modo particular, vejo o disco como o melhor da carreira do trio paranaense, com uma segunda metade encantadora.
Esse detalhe fica mais evidente quando a banda está ao vivo, como foi possível ver na tour que passou por Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. A mudança pode ser explicada, em partes, pela ausência dos metais e da percussão, tornando-os um power trio em essência, mas também demonstra que esse pormenor poderia ter sido evitado. Especialmente por Serviço Comunitário ser um disco atual, crítico sem apelar a discursos vazios, funkeado como vemos pouco no mainstream nacional.
O lançamento da banda maringaense segue uma estrutura que lembra bastante os antigos bolachões, que divididos em lados também dividiam, na maioria das vezes, recortes estéticos e artísticos diferentes. Ou seja, tanto no registro de 2015 quanto neste Serviço Comunitário é bem marcante a divisão do álbum em lado A e lado B. Esse não é necessariamente um problema (bandas como o Wilco já fizeram coisa semelhante). O senão, no entanto, é que aqui resulta em uma diferença que faz parecer que estamos diante de dois grupos diferentes ou, ao menos, de gravações feitas e produzidas em momentos distintos.
O disco abre com pancadonas como “Mundo Banal”, “Nada vai me fazer mal” e “30M de mim”, nas quais os riffs são repletos de suíngue, enquanto a cozinha do trio insere grooves de muito respeito, tendo a parede dos metais a responsabilidade de jogar tudo para cima. É impossível não evoca os melhores momentos de grupos como Funkadelic. Da lendária Black Zé o trio nos oferece o blues, certamente com mais carga que a jóia do blues brasileiro dos anos 1970, mas mantendo a mesma mescla de levadas.
É da instrumental “Intro: Corre” que a coisa muda de figura. O rock é a força motriz que passa a guiar o disco – e que entrega os melhores momentos da banda. É Hendrix, é Cream, é Led Zeppelin. O peso dos riffs, a sinergia do trio, a riqueza das letras mantém a metade final da obra em um patamar diferenciado. E, veja bem, ainda temos um samba encerrando o álbum: uma quebra rítmica que pode muito bem ser vista como uma faixa bônus, sem interferir em nada no nível de densidade que vinham apresentando.
De modo particular, vejo o disco como o melhor da carreira do trio paranaense, com uma segunda metade encantadora, mas que conquista o ouvinte mesmo pelos petardos que arremessa quando em cima de um palco, ao vivo, no êxtase que só o tête-à-tête de um show proporciona. Recomendo.