Há alguns anos, num país da América, o povo elegeu um presidente de direita, conservador quanto aos costumes e liberal pelo viés econômico. Este político tinha um discurso nacionalista e gostava de armas, de orações em escolas e também de ameaçar adversários.
Não conseguia se referir ao colega, líder de um país de ideologia divergente, sem alarmar a todos com a possibilidade de holocausto nuclear. Essa figura se chamava Ronald Reagan, e se elegeu chefe máximo do Poder Executivo dos EUA em 1980.
Mas por que estamos falando de Reagan nesta coluna que fala sobre música e a história da indústria musical? Porque, há 38 anos, não por acaso, o Dead Kennedys lançava o melhor disco de hardcore/punk/surf music/experimentalismo da história: Fresh Fruit For Rotting Vegetables. E não é por acaso que escolhemos este disco para a Vitrola desta semana.
O senso de humor de Biafra e a originalidade sonora do Dead Kennedys estão no melhor momento em ‘Fresh Fruit For Rotting Vegetables’.
A bolacha já abre com versos como “A taxa de criminalidade acabou, sinta-se livre novamente/Então vamos nos vestir e dançar a noite toda/Enquanto matam matam matam matam matam os pobres”, na faixa “Kill The Poor”.
A música é uma crítica debochada, bem-humorada, ao cinismo da direita liberal americana, e do apego ao consumo a despeito das reais necessidades da população.
Em “Holiday in Cambodia”, Biafra dispara os versos “Então você pode ficar rico/Enquanto seu chefe fica mais rico que você/Bem, você vai trabalhar mais/Com uma arma nas costas” contra os hoje já esquecidos yuppies.
Este termo era usado a jovens profissionais entre 20 e 40 anos de idade, geralmente em situação financeira intermediária, entre a classe média e a classe alta. Não vou indicar alguma correspondência para a realidade brasileira de hoje por julgar desnecessário.
O maior hit do álbum, contudo, seria a bombástica “California Uber Alles”. Nela, Biafra apontou sua arma verbal e genial para o ex-governador da Califórnia, o democrata Jerry Brown, descrevendo-o como um “fascista zen”. Interessante que o vocalista e letrista se arrependeria, anos mais tarde, de ter associado a figura de Brown ao fascismo. Biafra percebeu que Brown era um político muito acima da média, e até participou de grupos ativistas apoiados pelo democrata.
Falamos que Fresh Fruit For Rotting Vegetables se trata do melhor registro de hardcore/punk/surf music/experimentalismo da história. Isso, na verdade, foi uma tentativa de expressar a impressão que a música do DK causa. Porque com certeza eram punks. Mas não do tipo que fazia festa, como Ramones e Circle Jerks. Biafra, East Bay Ray e Klaus Flouride, mudaram os rumos do movimento na América, misturando discurso politizado, sarcasmo, desprezo pela direita e o conservadorismo, a uma musicalidade própria, simples e honesta.
O senso de humor de Biafra e a originalidade sonora do Dead Kennedys estão no melhor momento em Fresh Fruit For Rotting Vegetables, numa carreira de certo modo curta. O líder da banda acabaria se envolvendo com o ativismo político e vários projetos musicais, até o presente. Chegou a candidatar-se a prefeito de São Francisco, propondo que os policiais usassem nariz de palhaço. Ficou em quarto lugar entre dez candidatos.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.