Imagine a seguinte situação: você é um astro do rock conhecido mundialmente, acostumado a fazer fortunas a cada lançamento de álbum ou turnê realizada, mas descobre que têm dívidas astronômicas com o governo de seu país por conta do não pagamento de impostos.
Era esta realidade que os Rolling Stones viviam no ano de 1971, época em que o quinteto londrino brigava com o Led Zeppelin pela coroa de maior banda do rock mundial após a dissolução dos Beatles no ano anterior.
Musicalmente, a banda liderada por Mick Jagger vinha de um excelente momento – certamente o mais efervescente da trajetória do conjunto – depois do lançamento de excelentes discos, como Beggars Banquet (1968), Let it Bleed (1969) e Stick Fingers (1971). Com estes trabalhos, os Stones reafirmaram suas qualidades musicais mostrando muita versatilidade e criatividade na hora de realizar trabalhos em estúdio.
Some-se a isso o fato da banda já estar devidamente adaptada com a presença do jovem e talentoso guitarrista Mick Taylor, incorporado à formação após a morte de Brian Jones em 1969. Não é exagero, portanto, dizer que, em 1971, os Rolling Stones estavam em seu auge.
Sucessos à parte, é preciso contextualizar o ambiente econômico britânico da época. A partir da segunda metade da década de 1960, o governo do Reino Unido sofreu com seguidos déficits de arrecadação. Para reequilibrar as contas públicas, o então primeiro ministro, Harold Wilson, decidiu elevar os impostos na terra da rainha.
Entre as chamadas grandes fortunas britânicas, a alíquota cobrada chegou a incríveis 83% (aliás, aquele coro de fundo na canção “Taxman”, dos Beatles,“ah, ah, Mr. Wilson”, era nada menos que o ácido George Harrison “homenageando” seu primeiro ministro nesta faixa repleta de ironias e trocadilhos sobre a situação).
Para fugir do feroz regime fiscal britânico, os Stones resolveram se aventurar pelo sul da França em busca de um auto-exílio. O local escolhido foi a icônica mansão de Nellcôte, alugada por Keith Richards, nos arredores da cidade de Nice. Os aclamados Rolling Stones buscavam refúgio depois de simplesmente abandonarem seu país de origem para fugir dos impostos do governo.
O resultado desta aventura acabou entrando para a história da música. Exile on Main St., álbum gravado no cadavérico porão de Nellcôte, é um esplendor do começo ao fim. Faixas que vão desde um blues raivoso até canções mais melancólicas numa pegada country e pop fazem com que muitos considerem Exile o melhor disco dos Rolling Stones. Lançado em maio de 1972, o álbum duplo é reconhecidamente um primoroso trabalho de mais de uma hora de duração que marcou época e entrou para história da música no século XX.
Exile on Main St., álbum gravado no cadavérico porão de Nellcôte, é um esplendor do começo ao fim.
Quer dizer, os Stones eram blues e não negavam isso. Pelo contrário, faziam questão de reafirmar suas raízes na música negra norte-americana. Fãs de Muddy Waters, Chuck Berry e Bo Diddley, a pegada blues do grupo britânico foi sempre bastante clara.
Mas com Exile on Main St., a relação dos Rolling Stones com este ritmo ganhou ainda mais vitalidade. Da faixa de abertura, “Rocks Off”, à animada e dançante “Turd On The Run”, a energia blueseira exala por todos os poros do sombrio local de gravação do álbum e ganha toques geniais a cada acorde de guitarra que Richards e Taylor ecoaram nas canções do disco.
A presença de faixas como a bela “Sweet Virginia” e baladas como “Let It Loose” e “Shine a Light” ainda contribuem para momentos mais melancólicos e introspectivos no álbum, dando um ar menos enérgico e mais pop ao trabalho lançado há 45 anos.
Sob a batuta de Keith Richards, que tomou para si o comando das turbulentas sessões de gravação, os Stones funcionaram como uma afinada orquestra e deram vida a um clássico. A velha levada de Watts; o brilhantismo vocal de Jagger; a precisão de Wyman; a energia de Taylor; a genialidade e simplicidade do próprio Richards. Está tudo lá. Sem sobrar nem faltar.
“All Down The Line”, “Happy” ou “Ventilator Blues” não são necessariamente as primeiras canções que vem à mente quando se pensa em clássicos dos Stones. Mas o que importa? Exile on Main St. é um álbum “cru”, mas genial do começo ao fim. E é disso que o rock’n’roll e os Rolling Stones precisavam no início da década de 1970.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.