Se você tiver idade suficiente, provavelmente vai lembrar do auge de um movimento musical ao qual se chamou de britpop, que explodiu há um tempo não muito longe, durante os anos 1990. Falamos aqui de uma época em que as bandas indie da Inglaterra estavam bombando, e acabaram levantando um movimento musical que celebrava a “britanidade”. A tendência acabou gerando dois grupos monstruosamente populares, os “rivais” Oasis e Blur.
Mas o britpop não se resumia a essa dupla. Muito pelo contrário. Na verdade, tinha para bandas e músicas todos os gostos. Havia o pop mais alegre (Supergrass), mais transcendental (Kula Shaker), com vocais femininos (Elastica), mais vintage (Pulp), com pegada mais política (Manic Street Preachers, The Verve). E havia também o Suede, cujo disco de estreia, o autointitulado Suede, lançado há exatos 30 anos, é até hoje considerado um marco importante do movimento.
Grupo formado em 1989, o Suede chegava às paradas de sucesso apresentando uma música pop provocante, que falava de pessoas lascivas e decadentes, ainda que sensuais. As letras tinham algo de tenso, como uma ode à vida degradada (vale lembrar que, nos anos 1990, muitos artistas padeceram mortalmente de overdose e havia até uma moda, o heroin chic, que celebrava um visual “drogado”). E tudo isso chegava às paradas em um verniz belíssimo, embalado pela guitarra poderosa e competente de Bernard Butler e pela voz e pela figura de um homem que logo se tornaria um “muso” absoluto: o vocalista Brett Anderson.
Além de cantar, Anderson hipnotizava o público por conta uma performance atraente que confundia as noções de gênero. Sua postura entregava uma sensualidade desconstruída, flertando com uma androginia a la David Bowie, enquanto cantava versos ambíguos e dava declarações escandalosas (em uma das mais famosas, quando perguntado sobre sua sexualidade, afirmou ser um “bissexual que nunca teve uma relação homossexual”. Se hoje parece uma fala oportunista, na época, soou extremamente ousado).
Brett Anderson hipnotizava o público por conta uma performance atraente que confundia as noções de gênero.
Em outras palavras: Suede se afastava dos movimentos emergentes na época e logo se tornou um estouro. Enquanto isso, nos Estados Unidos, ascendia o grunge com sua desilusão de tudo e a exposição de traços depressivos daquela geração de Seattle. Já na Inglaterra, mesmo que não falasse sobre um contexto mais feliz, a banda andava na contramão.
Em uma entrevista à BBC por ocasião dos 25 anos de lançamento do disco de estreia do Suede, Brett Anderson explicou por que se distanciavam das demais bandas do britpop: enquanto eles buscavam documentar de forma crua a realidade britânica, os outros grupos pareciam celebrar esta vida.
Curiosamente, hoje muita gente vê o álbum Suede, lançado em 29 de março de 1993, como uma obra que abriu portas para outras bandas – uma espécie de “vovô” sensual que ditou os rumos do britpop. Brett Anderson nega esse legado, e afirma que sempre os viu afastados do resto do movimento (a título de comparação: Oasis só lançaria seu primeiro disco, Definitely Maybe, em 1994).
‘Suede’: um disco sexy
A icônica capa de Suede já deixa claro: este é um disco feito para desconcertar. Ela mostra duas pessoas, que podem ser homens ou mulheres, em um beijo apaixonado. Brett Anderson posteriormente afirmou que a imagem foi escolhida por conta de sua ambiguidade, mas também por sua beleza. A foto inteira, de autoria de Tee Corine, mostra o beijo de mulheres nuas, uma delas em uma cadeira de rodas (a fotógrafa apenas autorizou a exibição das cabeças delas para proteger suas identidades).
Suede fez sucesso imediatamente: tornou-se o disco de estreia com venda mais rápida no Reino Unido desde 1984. Banhado por forte influência do glam rock de Bowie e companhia, as músicas versam sobre a depressão, a decadência, o sexo e as drogas – muitas delas. Na balada “Sleeping Pills”, a letra fala sobre donas de casa viciadas em Valium; na célebre “Animal Nitrate”, há um jogo de palavras com “amyl nitrate”, uma droga popular na época. Em “So Young”, que trata de uma tentativa de suicídio, há várias referências à heroína.
Mas diferente do que possa parecer, esse não é um disco para baixo – não totalmente, na verdade. De fato, Suede ganhou o mundo por carregar estas letras niilistas a partir de melodias e de uma estética extremamente sexy, e que propositadamente provocava a confusão entre as fronteiras de gênero.
Veja, o ano era 1993, e falar sobre bissexualidade já era uma novidade e tanto. Em “Moving”, por exemplo, Brett Anderson canta “we’re moving, so moving, so we are a boy, we are a girl”. Já no hit absoluto “The Drowners”, provavelmente a música mais famosa do disco, ele entoa: “we kiss in his room to a popular tune, oh, real drowners”. No vídeo, com camisa semiaberta, Brett rebola e provoca a câmera. Todas as pessoas no clipe parecem homem e mulher ao mesmo tempo. Sexy as hell.
Fortemente influenciado por Morrissey (o nome Suede, aliás, veio de “Suedehead”, dos Smiths), Brett Anderson embaralhava sua sexualidade e cantava para um “ele” quase o tempo todo. Sua delicadeza e sensualidade (destoando um tato do que era feito naquela época) trouxe uma legião de fãs no mundo inteiro que não cansam de se encantar pelas lindas músicas melancólicas criadas pela banda desde então – que, aliás, continua na ativa. Para a nossa sorte.
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