Obritpop talvez tenha sido o último grande acontecimento musical, ao menos, até agora. “The Drowners”, single de estreia do Suede, foi a pedra fundamental desse movimento que, em pouco tempo, revelaria grupos como Blur, Oasis, Elastica e Pulp – sendo os dois primeiros responsáveis por uma das mais intensas, e midiáticas, disputadas pelo trono da música pop. Brett Anderson, vocalista e letrista do Suede, é uma figura tão controversa e polêmica quando os irmãos Gallagher. Quando no início dos anos 1990 afirmou ser bissexual sem nunca ter tido uma relação homossexual, chamou a atenção por resgatar a ambiguidade de seus maiores ídolos: Bowie e Morrissey.
Em suas memórias, Coal black mornings, ainda inéditas e sem previsão de lançamento no Brasil, Anderson conta sua origem humilde e sua ascensão a astro do rock. Como explica no prefácio, o livro é uma colcha de retalhos de fracassos e frustrações. Da infância pobre em uma casa sem calefação central – o que faz bastante diferença no inverno inglês – à capa da NME, Brett percorreu um caminho tortuoso. A descoberta da arte aconteceu com a ajuda da irmã, Blandine, que anos mais tarde se tornaria uma importante ceramista.
Como Carrascoza, em Caderno de um ausente, Anderson faz do livro um manual para seu filho, uma espécie de mapa para a escuridão. Quem espera grandes revelações pode cair em decepção – até porque Coal black mornings não chega ao primeiro disco do Suede, para quando o grupo é descoberto pela Nude.
Jornada do herói
Brett concebe a jornada do herói, se debruçando somente sobre o necessário. São poucas as menções ao uso de drogas, por exemplo. Isso, realmente, não é importante. Não há fofoca sobre o britpop. Damon Albarn não é citado. Seu relacionamento com Justine Frischmann, fundadora do Suede e, posteriormente, frontwoman do Elastica, é esmiuçado, não como acerto de contas, mas como um evento fundamental para que o cantor se descobrisse como homem e artista. Esse é o único ponto em que Anderson se mostra vulnerável e inseguro. O fim do relacionamento com Justine, que é descrita como “o primeiro dos dois amores da minha vida” e que o deixou para ficar com Albarn, é um elemento-chave de libertação e de revelação.
A parceria conturbada com Bernard Butler também ganha destaque. Muito menos engajado em desfazer qualquer mal-entendido, Brett Anderson reconhece o talento do ex-parceiro, com quem, além do Suede, formaria o brevíssimo The Tears, mas explica com minúcia as diferenças que fizeram o guitarrista abandonar o grupo logo após o segundo álbum, Dog man star.
Coal black mornings é fantástico ao revelar o desconhecido, porém, não no sentido dos fatos íntimos, mas sim apresentar o que está escondido sobre o verniz da intensidade da qual necessita um rockstar.
Família
Ao contrário do que possa parecer, Anderson é um sujeito família. As mortes dos pais foram eventos que, cada um a seu modo, o devastaram. O câncer que fez a mãe sucumbir inspirou “The Next life”, faixa que encerra o disco de estreia. Quando o pai, um homem difícil e obcecado por música clássica, morreu, em meados da primeira década dos anos 2000, foi homenageado com “Song for my father”, do primeiro trabalho solo do cantor.
Coal black mornings é fantástico ao revelar o desconhecido, porém, não no sentido dos fatos íntimos, mas sim apresentar o que está escondido sobre o verniz da intensidade da qual necessita um rockstar. Sem se distanciar completamente dessa imagem, Anderson escreve um livro comovente e lírico, cheio de pequenas lições e, claro, grandes derrotas.
COAL BLACK MORNINGS | Brett Anderson
Editora: Little;
Tamanho: 224 págs.;
Lançamento: Março, 2018.