Tenho sérias dificuldades em conceber a comparação com produtos internacional como elogio. Foi o tipo de coisa que já notei acontecer com Mutt, disco de estreia dos maringaenses da The Old Skull Guz. O problema com a comparação não reside em discordância da qualidade do registro, sem dúvida um dos trabalhos mais bem lapidados produzidos no Paraná com que tive contato neste 2019. As 12 faixas compostas pelo power trio trafegam por algumas das vertentes mais dilacerantes e ruidosas do rock and roll. Mas, então, qual o problema em dizer que parece um “trabalho gringo”?
Começo pelo complexo de vira-lata, como se fosse impossível concretizarmos um trabalho primoroso em nossa pátria. A questão segue pelo desconhecimento de como a cena independente do Norte Pioneiro do Paraná, em especial do que vem sendo feito em Maringá, é forte e tem, seguidamente, oferecido alguns dos melhores discos feitos na terra das araucárias. Por fim, admite total ignorância quanto à história, de maneira particular e sem desmerecer seus companheiros, de Guz.
Ex-guitarrista do Stolen Byrds, Gustavo Oliveira colocou em Mutt um amálgama tão intenso, denso e diversificado que, mesmo sem inventar a roda, apresenta uma obra redonda, com riffs tão bem elaborados quanto os que compunha em sua antiga banda, e se mostra inclusive mais ousado. Sua permissividade com o instrumento não foi à toa. Há dirty rock, há bluegrass com notas de Southern rock, há mesmo uma delicada presença de David Bowie e sua “Lazarus” em “Chemical Reaction”. Involuntário? Provavelmente, mas simplesmente estonteante pela possibilidade de encontrar o camaleão tão próximo.
The Old Skull Guz e seu Mutt não se esforçam simplesmente em jogar distorções no público de maneira aleatória.
The Old Skull Guz e seu Mutt não se esforçam simplesmente em jogar distorções no público de maneira aleatória. Nota-se um apuro estético no disco, uma busca constante em trazer ao público uma performance sincera, que transcenda os três instrumentos e seja capaz de alcançar o ouvinte com a mesma energia que o power trio se apresenta. Não por outra razão, o palco é o terreiro do trio – completado por Eric Hespanha, no baixo, e João Vitor Tonet, na bateria.
Essa exaltação nas apresentações é uma sequência do que vemos no LP. Se, em essência, são retratos da mesma obra, na prática são peças independentes que funcionam como colagens de um objetivo muito maior: um exercício de descarga emocional que só a arte proporciona ao ser humano. Ou seja, Mutt não é bom por sua qualidade ser tão alta a ponto de merecer comparações com trabalhos de artistas estrangeiros, ele é bom porque é coeso, porque é pungente, envolvente e abrasivo – e sabe, ainda por cima, ser contemplativo quando a hora exige.
Guz pode ter deixado saudades na Stolen Byrds (ainda que tenha sido bem reposto, diga-se), mas é ao ver o caminho pelo qual optou por trilhar que temos a certeza que a cena paranaense não viu uma de suas melhores bandas perder um exímio músico, mas sim esta mesma cena ganhar uma outra banda que nos enche de orgulho.
Não nego que tenho minhas preferências entre as 12 canções. “Chemical Reaction” e “Hummingbird” não saíram do player nem mesmo durante a concepção deste texto. Mas deixo ao caro leitor a árdua tarefa de conferir o que Guz, Eric e João Vitor criaram e encontrar suas próprias preferidas. De certo, indiferente à tamanha riqueza sonora e estética seus sentidos não escaparão.