Entre a volta do vinil e a ascensão dos serviços de streaming, o CD está minguando. Desde os anos 2000, quando foram vendidas quase 2 bilhões e meio de unidades mundialmente, essa mídia vem sofrendo uma queda constante. Mas há uma exceção à regra.
No Japão, o CD representa em torno de [highlight color=”yellow”]80% das vendas de música[/highlight] do país. A terra do sol nascente só fica atrás dos EUA — que se mantém como maior mercado fonográfico do mundo —, falando puramente de dinheiro movimentado. Em outros quesitos, como quantidade de lojas de discos, os nipônicos ganham de lavada: são 6000 lojas contra 1900 nos Estados Unidos — a Alemanha chega em terceiro, com 700 estabelecimentos.
Algumas particularidades do país podem explicar esse cenário. No topo da lista está o fato do CD ter surgido no Japão, em 1982, como uma alternativa ao vinil e às fitas cassete. Até hoje, a qualidade da prensagem e da parte gráfica dos CDs japoneses é superior em relação ao restante do mundo.
Há pouco interesse em procurar outras mídias, porque lá ainda não há algo que supere a experiência do CD. Além disso, há uma questão de apego à essa tecnologia, que foi desenvolvida e aprimorada por eles.
O que leva a um segundo fator de influência: a cultura de colecionador. Um dos estereótipos mais difundidos sobre os japoneses é sua relação com o consumo. O país está entre os menos desiguais do mundo, assim, com um maior poder de compra, consequentemente se consome mais.
Bandas e artistas japoneses costumam lançar diferentes versões de um mesmo disco (uns vêm com capas variantes, DVDs, faixas bônus, etc) e os fãs não hesitam em comprar cada uma delas. Não apenas pela cultura de colecionar, mas porque o público desses artistas é muito fiel.
Até hoje, a qualidade da prensagem e da parte gráfica dos CDs japoneses é superior em relação ao restante do mundo.
Graças ao estrito código de ética japonês, e ao fato da pirataria realmente ser tratada como crime por lá, é muito mais fácil encontrar na internet links para downloads pagos, ou então para comprar o disco físico, do que formas ilegais de se consumir música.
Assim, o CD acaba deixando de ser apenas um suporte para se ouvir música e se torna um merchandise em si. A experiência de consumir o CD, é também a experiência de apoiar e se sentir mais próximo aos artistas. O que leva a casos extremos e curiosos.
Um exemplo é a girl band AKB48, que domina as paradas japonesas graças a estratégias de marketing pouco convencionais. O grupo foi formado pelo produtor Yasushi Akimoto, possui seu próprio teatro e mais de 130 integrantes — que se dividem em vários escalões, de forma que elas possam fazer shows quase todos os dias e até mesmo simultaneamente.
Todo ano é realizada uma votação para eleger o membro mais popular do grupo. A escolhida vira destaque nas apresentações e clipes da AKB48, e o “top 16” ganha o direito de participar dos singles novos daquele ano.
A questão é: os bilhetes para votar vêm junto com os singles. Assim, os fãs devem comprar os CDs para participar da eleição. Além disso, alguns desses singles trazem alguns “vale-brindes” que podem dar desde a oportunidade de apertar a mão de alguma das integrantes, até o direito de ir a um encontro romântico com uma delas. Não é incomum que certos fãs cheguem a comprar dezenas (ou até mesmo, segundo rumores, milhares) de cópias só para conseguir algum desses “brindes” ou então votar diversas vezes.
E o streaming?
O streaming tem sido considerado por alguns como uma luz no fim do túnel para a indústria musical. No cenário global, essa é a forma de consumir música que mais tem crescido — juntamente com o revival do vinil. No Brasil, por exemplo, em 2016, em torno de 77% da receita do mercado fonográfico foi referente aos downloads e serviços de streaming — apenas 22% correspondia à venda de CDs.
No entanto, no Japão essa forma de ouvir música ainda é pouco disseminada. As grandes gravadoras como a Warner, Sony e EMI são detentoras do “grosso” do conteúdo presente em plataformas como Spotify e Deezer. Mas no Japão elas não são tão grandes assim.
Lá representam apenas 35% do mercado fonográfico, os 65% restantes são gravadoras independentes — em parte, talvez, pela barreira linguística, a propensão dos japoneses seja a de escutar os artistas locais. Por isso o catálogo japonês nos serviços de streaming ainda é bem restrito.
Claro que não vai ser assim para sempre. Como mostram dados da RIAJ (Recording Industry Association of Japan), as vendas de CD têm caído ano a ano, e pouco a pouco as plataformas digitais estão ganhando espaço. Resta esperar e ver de que forma o mercado fonográfico japonês vai se reinventar nesse novo contexto. A única coisa certa é que essa reinvenção não será convencional.