O fora da lei, segundo a definição de Margaret Mark e Carol Pearson no livro O Herói e o Fora da Lei, é aquele que nasceu para quebrar as regras e despertar paixões reprimidas em uma sociedade. É partindo deste arquétipo que o country fora da lei se desenhou no começo dos anos 50 e cresceu entre os anos 70 e 80.
Em uma época que as gravadoras de country prezavam por artistas que seguissem os passos do suave honky tonk de George Jones e Hank Williams, um grupo de cantores incorporaram elementos do blues e do Southern Rock e correram de forma independente, criando seus próprios selos. Entre esses fora da lei, o destaque ficava para artistas como Johnny Cash, Waylon Jennings, Willie Nelson e Merle Haggard, que poeticamente, nos deixou no último dia 6 de abril — mesmo dia em que nasceu, em 1937.

Já falamos sobre o outlaw country por aqui, mas não muito sobre o trabalho de Haggard. Após a morte de seu pai, em 1945, Haggard ganhou o violão usado de seu irmão, onde começou a aprender sozinho. Entretanto, mesmo a paixão pela música não evitou que Merle Haggard se aproximasse do crime. Já havia sido detido na adolescência por tentativa de roubo e seria logo na fase adulta.
Foi em 1957 que a vida de Merle Haggard foi do inferno ao começo do céu, musicalmente falando. Casado e em dificuldades, foi preso tentando roubar um restaurante de beira estrada, o que lhe custou alguns anos na prisão.
Merle descobriu na cadeia que sua esposa estava grávida de outro homem. Esse episódio lhe causou um transtorno que o fez perder vários empregos de cadeia e várias tentativas de fuga, até que um companheiro de cela o fez querer mudar de vida. Após uma série de transtornos, Merle finalmente ganhou o equivalente a um diploma e passou a tocar na banda da prisão, que lhe rendeu uma apresentação com Johnny Cash em 1958. Em 1972, já com a carreira estabelecida, Ronald Reagan concedeu perdão a Merle por todos os seus crimes.
O que antes pertencia muito ao rock sulista, logo Merle Haggard incorporou como ninguém em sua música, especialmente em seus trabalhos feitos com Willie Nelson.
Uma história como essa serviu de plano de fundo para uma carreira não só de sucessos, mas servindo também de forte influência para outros artistas. Apesar de ter sido relutante com os caminhos do country moderno, Haggard continuava sendo o guru de muitos artistas que incorporaram os riffs de guitarra e dobros em suas músicas.
O que antes pertencia muito ao rock sulista, logo Merle Haggard incorporou como ninguém em sua música, especialmente em seus trabalhos feitos com Willie Nelson, como o emblemático Pancho and Lefty (1982), um dos maiores sucessos de crítica que, assim como todo o enredo outlaw, conta a história de uma dupla de bandidos mexicanos, em que o misterioso Pancho é assassinado pela traição do mais misterioso Lefty, após um acordo com os Federales mexicanos, como no triste e melancólico A Taste of Yesterday’s Wine (1982), ao lado de ninguém menos que George Jones.

E toda essa veia storyteller de Merle Haggard, presente também nas icônicas faixas “Okie form Muskogee” e “Fightin Side of Me”, foi incorporada por artistas da nova geração, como Toby Keith — que tem o humor e a chacota como principal elemento de suas composições — e também Hank Williams III, neto de Hank Williams e filho do outlaw Hank Jr., estabelecido ao lado de Merle.
Um dos gêneros mais marcantes da música norte-americana perdeu mais um de seus grandes ícones esse ano. E para os fãs declarados do gênero, fica apenas mais uma história de um fora da lei, tanto na vida real quanto nos discos, que nos presenteou com um lindo trabalho durante toda a carreira.
Merle Haggard se foi esse ano. Mas sua obra, ainda bem, fica com a gente mais um pouquinho.
Descanse em paz.