“I remember you well in the Chelsea Hotel. You were famous, your heart was a legend.” Esse verso da canção “Chelsea Hotel”, de Leonard Cohen, define bem a vibração do legendário hotel que fica em Nova York, especificamente na 222 West 23rd Street, entre a sétima e oitava avenida, em Manhattan. A construção do prédio é do século 18, mas somente a partir de 1905 é que o local passou a receber moradores.
Ou seja, neste ano, o Chelsea completa 105 anos e por isso acho bem justo falar um pouco sobre ele. Justo porque foi lá que muitos dos nossos ídolos criaram suas grandes obras que nos fizeram gente um pouco melhor.
Todos que iam morar no Chelsea tinham o mesmo ideal – criar, ganhar uma grana e, se possível, tornar-se famoso. Nas áureas décadas de 1960 e 1970 o hotel foi lar de ícones da música e da literatura que certamente são nossos bons e velhos conhecidos.
Patti Smith e Robert Mapplethorpe – quarto 204; Leonard Cohen – suíte 424; Janis Joplin – suíte 411; Bob Dylan – suíte 2011; Dylan Thomas – quarto 205. E por aí vai. Com valor mínimo (eu disse mínimo) de 150 dólares por semana (algo em torno de R$ 450) era possível fazer parte da Távola Redonda e viver em um dos 250 cômodos espalhados pelos 12 andares do hotel. O pagamento era feito diretamente ao gerente linha dura, Stanley Bard. Os bons moravam melhor e tinham a opção de pagar com a sua arte – quadros, gravuras, esculturas.
Para ter ideia de como o Chelsea deveria ser inspirador, foi lá que Arthur C. Clarke escreveu 2001: A Space Odyssey , que Cohen criou Suzanne, que Willian Burroughs escreveu The Naked Lunch e Bob Dylan fez Blond on Blond. O local foi cenário de filmes, romances e também de tragédias. Em 1978, no quarto número 100, supostamente, Sid Vicious matou sua namorada Nancy. Também foi no Chelsea que Dylan Thomas morreu de embriaguez, em 1953.
O Chelsea era um porto energético, desesperado, para bandos de crianças talentosas que precisam correr atrás de cada degrau da escada.Vadios com violões e bichas muito loucas em vestidos vitorianos. Poetas, viciados, dramaturgos, cineastas falidos e atores franceses. Todo mundo que passa por aqui é alguém, mesmo que não seja ninguém no mundo lá fora.
Em 1966, Andy Warhol rodou o filme Chelsea Girls. O longa só “para maiores” tem cenas ambientadas nas dependências do hotel e narra as estripulias de algumas garotas que viviam no Chelsea. Uma delas é Nico, musa de Warhol e vocalista do Velvet Underground.
E também, claro, há relatos que nunca foram comprovados. Dizem que no porão do Chelsea há um baú com algumas coisas de Oscar Wilde que ele deixou por lá quando se hospedou. E também tem a história de Mary, a mulher que cometeu suicídio quando soube que o marido havia morrido no naufrágio do Titanic. Tem gente que jura que já a viu por lá, no sétimo andar.
Patti Smith, em sua autobiografia Só Garotos (Companhia das Letras), define o Chelsea como “um porto energético, desesperado, para bandos de crianças talentosas que precisam correr atrás de cada degrau da escada. Vadios com violões e bichas muito loucas em vestidos vitorianos. Poetas, viciados, dramaturgos, cineastas falidos e atores franceses. Todo mundo que passa por aqui é alguém, mesmo que não seja ninguém no mundo lá fora.”
O local preferido de Patti não era seu quarto, pois era apertado demais. Havia somente uma pequena cama, que dividia com Robert, uma pia onde escorria uma água marrom e uma escrivaninha. O banheiro ficava no corredor e era de uso público, lembrando que, para quem precisasse, havia xampu para matar piolhos.
Patti gostava mesmo era de ficar no saguão de piso quadriculado e paredes amarelas, vendo o entra e sai de gente. Foi em uma tarde em que estava sentada, desenhando com o seu corvo de estimação, que Salvador Dali entrou pela porta. Olhou para Patti, para o corvo. Passou a mão na cabeça dela e disse “Você parece um corvo gótico.”
Até pouco tempo era possível fazer visita guiada pelo hotel, mas, em 2011, o Chelsea foi vendido por U$ 80 milhões para um magnata do ramo imobiliário. Atualmente passa por reformas e se prepara para tornar-se um novo empreendimento, um restaurante, uma boate, ainda não se sabe. Mas há briga judicial, pois ainda existem cerca de 100 inquilinos que se recusam a sair de lá. Uma pena. Ainda sonhava em passar uns dias no Chelsea. Primeiro porque seria uma ótima oportunidade para dar uma incrementada nas ideias. E também porque daria para perambular à noite pelos corredores e escadas e, quem sabe, conversar com alguma alma de alto nível.
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