Muito antes de estar presente quase que de maneira unânime na preferência musical do brasileiro, o sertanejo fez parte da história do país a partir de sua raiz caipira do interior de São Paulo. Nas distantes décadas de 1920 e 30, o Brasil era majoritariamente agrário e a indústria do entretenimento ainda se adaptava à popularização do rádio. Neste contexto rural e subdesenvolvido, a música feita nos interiores do país, distante dos grandes centros, começou a dar os primeiros sinais de vida para o grande público.
Com características próprias, como a onipresença da viola de dez cordas ou o jeito humilde e não raramente errado de se pronunciar as palavras, as características da música caipira produzida em São Paulo, subgênero do sertanejo propriamente dito, foram tomando forma. Inclusive, faz-se necessária aqui esta distinção.
De acordo com estudiosos da música, como Zuza Homem de Melo, “sertanejo” se refere à cultura e à música das mais diversas partes dos interiores do país. A música “caipira”, por sua vez, está ligada ao gênero que, a partir das “duplas sertanejas”, popularizou as chamadas “modas de viola” e cujos primeiros registros se deram no interior paulista.
Data de 1929 a primeira gravação em disco de música caipira do Brasil. Patrocinado pela singular figura de Cornélio Pires, empresário, jornalista, cineasta e agitador cultural do interior de São Paulo, o disco de 78 rotações que contém em um dos lados “Jorginho do Sertão” foi gravado pela dupla Mariano e Caçula.
Na canção, a adaptação da letra feita por Cornélio Pires conta a história de Jorginho, caboclo do interior que tem que decidir com qual das filhas de seu patrão deve se casar. Um delicioso retorno para uma realidade simples e que com muito bom humor era colocado em uma letra de música com o som rústico da viola ao fundo.
Os irmãos Tonico e Tinoco formaram uma das duplas sertanejas mais importantes do Brasil e que se converteu num dos maiores fenômenos de vendagem de discos de nossa história.
Aliás, foi o próprio Cornélio, um grande entusiasta da cultura caipira, quem contribuiu com o lançamento não só desse, mas de diversos outros discos de música caipira nos primórdios da indústria fonográfica brasileira.
Dentre as gravações contemporâneas, destacam-se as presenças dos também lendários Raul Torres (que ao lado de seu parceiro, Serrinha, compôs e gravou “Mulata Preta” e “Saudades de Matão”) e Mandi e Sorocabinha (cantores da não menos clássica moda “Amanhecer na Roça”). À época, o grupo patrocinado pelo empresário ficou conhecido como “Os caipiras do Cornélio”.
Após esta embrionária experiência, a música caipira viu surgir, anos mais tarde, a dupla que consagraria definitivamente o gênero dentro da música nacional.
Nascidos no coração do estado de São Paulo, na região de Botucatu, os irmãos Tonico e Tinoco formaram uma das duplas sertanejas mais importantes do Brasil e que se converteu num dos maiores fenômenos de vendagem de discos de nossa história.
Com os acordes romanceados e melancólicos da viola em gravações como “Tristeza do Jeca”, “Moreninha Linda”; “Chico Mineiro” e “Cabocla Tereza”, a dupla passou quase seis décadas levando para o meio musical a realidade da roça e a perspicaz filosofia de quem nela vive.
Outra figura importante da música caipira antes de sua massificação propriamente dita é, sem dúvidas, a do violeiro Tião Carreiro. Nascido em Minas, mas radicado em São Paulo, Tião fez sucesso com sua dupla, Pardinho, e depois com Carreirinho. Dono de uma incrível capacidade como músico, é dele a invenção do que ficou conhecido como “pagode”, ritmo que dá mais evidência ao som da viola nas canções.
Para além de composições e gravações que marcaram época, como “Boi Soberano” e “Pagode em Brasília“, o grande legado de Tião Carreiro foi justamente o de explorar a viola não apenas como um mero acompanhamento do canto da dupla. A partir de sua originalidade na criação de arranjos e batidas, a música de Tião influenciou dezenas de outros músicos e contribuiu para ampliação dos horizontes dos gêneros sertanejos.
A partir daí, muitos outros nomes ligados ao ritmo surgiram e a raiz caipira do sertanejo foi ficando cada vez mais restrita ao universo rural. Em termos de indústria musical, as canções caipiras, nos moldes daquela produzida em São Paulo até meados do século XX, perdeu espaço. Os ritmos sertanejos, inspirados por ela, se expandiram para outras regiões, ganharam as cidades, absorveram novas influências e, em suma, se diversificaram ainda mais.
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