Você se lembra do dia 31 de agosto de 1995? Naquele dia, os jornais estampavam a morte do compositor Agepê, integrante da ala dos compositores da Portela e compositor de “Deixa Eu te Amar”, trilha sonora da novela Vereda Tropical, primeiro disco de samba a ultrapassar a marca de um milhão de cópias vendidas; As Ponte de Madison, filme dirigido e estrelado por Clint Eastwood, abria a 7ª Mostra Banco Nacional de Cinema; no Diálogos Impertinentes, ciclo de debates promovido pelo jornal Folha de São Paulo e pela PUC de São Paulo, Darcy Ribeiro e Rubem Alves apresentavam o pensamento utópico sob perspectivas distintas, contrapondo solidão e engajamento.
Além disso, uma pequena chamada na capa da Ilustrada e um anúncio de meia página dentro do mesmo caderno noticiavam: era dia do 1º MTV Video Music Awards Brasil. A partir das 21:30, a MTV Brasil, no canal 32 UHF, anunciaria os vencedores da primeira edição de sua premiação, livre inspirada no Video Music Awards realizado pela MTV norte-americana. Apresentado pela atriz Marisa Orth, a entrega era intercalada por curtas apresentações, de uma ou duas músicas, de Marisa Monte, Paralamas do Sucesso, Planet Hemp, Skank, Gilberto Gil e Chico Science e Nação Zumbi, Titãs e Virna Lisi.
Talvez hoje possa soar estranho comentar a importância da premiação de uma emissora que nem existe mais – ao menos não como era em 1995, um canal da TV aberta no Brasil. Acontece que a história da MTV Brasil coincide com boa parte da história da música no país, mesmo que algumas pessoas possam discordar.
Nascida no dia 20 de outubro de 1990, a MTV Brasil foi a primeira rede de televisão aberta segmentada do país. A história dos vídeos musicais (ou videoclipes) no Brasil era ligada ao Fantástico, da Rede Globo, que, até o início da década de 1980, era o único programa que os produzia e veiculava. Como em muitos outros pontos, o “padrão Globo” incomodava as produtoras independentes que, procurando fugir dele, começaram a desenvolver vários programas voltados à exibição de vídeos musicais. Clip Trip (Gazeta), Som Pop (TV Cultura) e Manchete Clip Show (Rede Manchete) eram os principais nomes até então.
Nesse sentido, a premiação era a primeira com relevância na história da TV e da música brasileira. As apresentações inusitadas, que se tornaram marca registrada do prêmio, apareceram logo na estreia. Carlinhos Brown, Sepultura, Charles Gavin, baterista do Titãs e João Barone, baterista d’Os Paralamas do Sucesso, dividiram o palco para apresentar “Territory / Kaiowas”. Era uma grande confraternização, uma verdadeira festa em que todos estavam descobrindo alguma coisa. Até por isso uma apresentação confusa e cheia de improvisos, sem, no entanto, que isso tirasse o brilho da noite.
Caetano Veloso, à distância, entregou um prêmio especial para Rita Lee, enquanto Marcelo Nova, esse sim ao vivo, entregou à filha de Raul Seixas, Vivian Seixas, prêmio semelhante. Além destes, Max e Igor Cavaleira (Sepultura), João Gordo (Ratos de Porão), Zé do Caixão, a atriz Deborah Bloch e o jornalista José Simão foram responsáveis pelas entregas dos troféus.
A premiação era a primeira com relevância na história da TV e da música brasileira.
Os vencedores em cada uma das dez categorias do VMA Brasil (Videoclipe do Ano, MPB, Pop, Rock, Rap, Revelação, Democlipe, Direção, Edição e Fotografia) eram definidos por um júri composto por cem pessoas, entre jornalistas da área cultural, publicitários e videomakers. Havia ainda o Melhor Videoclipe do Ano segundo a audiência da MTV Brasil. O público votava em um dos 128 clipes realizados entre junho de 1994 e maio de 1995 e, segundo dados da época, 3.400 telefonemas (de 18.000) definiram “Uma Brasileira”, d’Os Paralamas do Sucesso, como vencedor desta categoria.
Analisando os indicados em cada categoria, era evidente a predominância de grupos de rock e pop. “Segue o Seco”, de Marisa Monte, ganhou a principal categoria (Videoclipe do Ano), enquanto “Bê a Bá”, dos Raimundos, e “Sobre o Tempo”, do Pato Fu, ficaram com Melhor Videoclipe de Rock e Melhor Videoclipe de Artista Revelação, respectivamente. O mesmo videoclipe de Marisa Monte levaria ainda os prêmios de Melhor Videoclipe de MPB, Melhor Direção em Videoclipe (dirigido por Cláudio Torres e José Henrique Fonseca), Melhor Edição e Melhor Fotografia, saindo como a grande vencedora.
A título de curiosidade: o documentário Sem Dentes: Banguela Records e a turma de 94, do jornalista Ricardo Alexandre, narra a história de boa parte dos artistas que participaram desta premiação, entre eles Raimundos e Mundo Livre S/A, contratados do selo Banguela Records – de propriedade da Warner Music e criado por membros do Titãs e pelo produtor Carlos Eduardo Miranda -, e Skank, Gabriel O Pensador, Chico Science e Nação Zumbi e Planet Hemp – do selo Chaos, de propriedade da Sony Music -, bandas que começavam a ganhar expressão justamente nesta época.
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