Poucas coisas são tão marcantes na identidade do rock feito no Paraná do que o humor. Em inúmeras vertentes é possível encontrar essa veia, canalizada especialmente nas composições das bandas. Diferente do que é feito no Rio Grande do Sul ou no Rio de Janeiro, cenas em que o humor também é fonte de inspiração e possui grupos e discos icônicos, ainda que apresentados de outras maneiras, a musicalidade paranaense abraça essa especificidade com requintes de maestria.
Dos anos 2000 para cá, a cena musical local sofreu, como boa parte do país, a influência de novos gêneros e ritmos, que acabaram de certa maneira esfriando um pouco essa característica. Contudo, desde 2004, a Pallets, grupo de São José dos Pinhais formado por Renan Alves, Aldo Luiz, Emanuel Weltener, Ricardo Coração de Leão e Junior Mendes, leva adiante a tradição.
Com seu rock cru e sujo, que fusiona elementos do rock sessentista e setentista, o quinteto acumulou riffs e trabalhos consistentes, combinando o humor com uma aura retrô, resultando em uma sonoridade ímpar, descolada do rock excessivamente jocoso (e que disfarça a falta de qualidade com doses cavalares de piadas de humor duvidoso) e entregando músicas robustas e bem produzidas, sem demasia de virtuosismo ou referências.
Além de produzido de forma redonda pela própria Pallets, o compacto gravado em 7” reforça a opção estética da banda.
Há uma evolução perceptível na Pallets ao longo de seus trabalhos. Ainda que nos EPs Rock n’ Roll, Sujeira e uma Mulher Loira (2008), Máquina do Tempo (2008) e Jornal da Pallets (2010), e no álbum completo Independência ou Sorte? (2012) seja possível notar a essência do que viria a se tornar o símbolo da musicalidade da banda, é a partir do single duplo Entre o Céu e o Inferno na Terra da Bala! (2014) que fica mais evidente que o grupo de São José dos Pinhais passa a olhar com maior seriedade todas as etapas de produção, trazendo a banda a um novo patamar.
O compacto Pallets, lançado em abril deste ano, é a confirmação de tudo citado neste texto. Além de produzido de forma redonda pela própria Pallets, o compacto gravado em 7” reforça a opção estética da banda, calcada neste olhar guitarrístico ao passado, sem, no entanto, estar desvinculado de um flerte com a música contemporânea. O “rock de camiseta”, como o grupo chama o trabalho feito sem frescuras, não fica só no discurso. “Estrada” e “Eu Preciso” seguem à risca o rock sem firulas, direto, bem trabalhado, em que a cozinha da Pallets conduz o compacto com a força do rock e um humor levemente irônico e inteligente.
Leia também
» O Escambau revisita o Brasil em um grande disco
» ‘De Cima do Mundo Eu Vi o Tempo’ é o álbum mais ousado d’A Banda Mais Bonita da Cidade
Se o lugar-comum por vezes toma conta destas vertentes mais clássicas, poluindo suas canções e as tornando quadradas e caricatas, a banda são-joseense mostra que a maturidade acumulada ao longo destes 13 anos serviu para que lapidassem sua sonoridade até que chegassem a Pallets, um registro impactante por conciliar música boa e uma estética coerente. Nada como o suprassumo do rock paranaense levado a sério.