Cidade do México, 12 de novembro. Entro no Museu Rufino Tamayo num domingo de sol. Do lado de fora, uma feira de publicações e editoras independentes toma conta do pátio externo, junto ao bosque de Chapultepec, um dos maiores parques da cidade. A feira segue em um saguão interno do museu, que além da feira reúne algumas exposições de artistas contemporâneos.
Não consigo deixar de notar muitas pessoas usando pesadas roupas de frio. É inverno no México, mas o sol e o clima estável durante o dia se assemelham ao verão curitibano, e é difícil não estranhar pessoas usando casacos de um suposto inverno em um suposto verão. Mais ou menos como aquela sensação esquisita de ver manequins de lojas de roupa usando casacos de lã, enquanto na rua faz trinta graus celsius.
O passeio pelas galerias do Rufino Tamayo me fez cair em um espaço no segundo andar que não era nem uma galeria de exposição, nem um espaço anexo à feira que acontecia lá embaixo. Um tipo de tapume fechava a sala em um ecossistema próprio, independente de tudo o que acontecia no restante do museu, e uma música africana que não pude identificar o que era tocava alto no ambiente.
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O lado de fora desse tapume e toda a parte de dentro do espaço, como logo notei ao passo em que ia me adentrando ao local, tinha grandes cartazes com artes chamativas, todos com figuras de africanos que eu não saberia nomear, exceto por um Fela Kuti estampado em um dos cartazes com a emblemática frase: “Who no know, go know” (algo como “Quem não sabe, que vá saber”, em tradução livre). Do lado de dentro, uma mesa com aparelhagem pesada para mixagem de som e alguns computadores, algumas cadeiras e poltronas, um sofá ocupado por três homens com microfones, um rapaz operando uma câmera filmadora e um letreiro neon de rádio: ON AIR.
Sem saber muito bem se aquilo era um programa de TV ou de rádio sendo gravado, resolvo sentar e observar um pouco. Mas ao final da primeira música, mais uma começou a tocar logo em seguida, e depois mais uma, e depois mais uma. Desconfio estar no meio de uma audição de um disco, talvez, com as pessoas ao redor todas em silêncio e mirando pontos fixos, apenas ouvindo. Aguardo um pouco mais. As melodias são fortes, e todas me remetem a uma áurea setentista imortalizada pelo Funkadelic.
Uns bons quarenta minutos de audição depois, a curiosidade bate mais forte e tento alguma informação. Encontro em uma mesa edições de uma revista e alguns jornais. Chimurenga é o título das revistas, a maioria em inglês, outras em francês e espanhol. Na descrição dizia: “somos uma plataforma pan-africana de escrita, arte e política fundada por Ntone Edjabe em 2002, reunindo uma miríade de vozes de toda a África e a diáspora; Chimurenga assume muitas formas operando como uma plataforma inovadora para ideias gratuitas e reflexão política sobre a África e os africanos”. Pareceu promissor, mas eu ainda precisava entender melhor.
Como todo coletivo multidisciplinar e multiplataforma, é complexo entender sua estrutura logo de início: há muito conteúdo para ser explorado, especialmente se você se interessa por música africana e todos os desdobramentos de contexto sociopolítico.
Pouco mais tarde entra na sala uma mulher sorridente cumprimentada por todos, que vai direto para a mesa de som. Ela coloca mais algumas músicas pra tocar e, meia hora depois, eu estava lá falando com ela. Eva Muyiri é uma diretora de cinema queniana residente no México. Com pouco mais de três palavras trocadas, Eva me abre um universo desconhecido de possibilidades sobre a produção musical africana (que amplo!) ao dizer que estava atuando naquele espaço como residente da Pan African Space Station (PASS), uma ramificação do coletivo Chimurenga criada em parceria com o músico Neo Muyanga, em 2008.
A “estação espacial Pan Africana”, como me explicou Eva, é um estúdio de rádio itinerante e periódico, que trabalha em espaços transitórios organizando som, música e palavras em novas formas de conhecimento. A PASS empresta o slogan do Sun Ra: “There are other worlds out there they never told you about” (“Existem outros mundos por aí que nunca te contaram a respeito”) e [highlight color=”yellow”]atua na difusão da cultura musical africana como instrumento de discussão social e política África afora[/highlight]. É uma plataforma de pesquisa e arquivo vivo, bem como uma estação de rádio online.
Segundo o site oficial da PASS, eles procuram desafiar alguns conceitos e estimular novas comunidades transitórias em cada jornada, trazendo o foco para a experiência coletiva e visando uma investigação sobre como nos localizamos e como meditamos nosso ponto de vista humano e histórico.
Na Cidade do México, por oito semanas, o estúdio da PASS funcionará como um local de encontro, uma sala de aula não-convencional, um laboratório de convergência de mundos. A programação do rádio durante esse período explora as trocas contemporâneas entre as comunidades afro-mexicanas, e a cada semana o programa é produzido por curadores convidados pela rádio, como a cineasta Eva Muyiri.
Vale muito a pena gastar algumas horas explorando os materiais disponíveis na internet produzidos pela Pan African Space Station (aqui). Como todo coletivo multidisciplinar e multiplataforma, é complexo entender sua estrutura logo de início: há muito conteúdo para ser explorado, especialmente se você se interessa por música africana e todos os desdobramentos de contexto sociopolítico.
Recomendo especialmente a série de vídeos “Stories About Music In Africa”, todos disponíveis no site da PASS, que apresenta gravações de pocket shows e histórias sobre o “novo território musical africano”. A série é gravada na sede da Chimurenga, na Cidade do Cabo (África do Sul), e também em outras cidades-satélite do território africano.