No sensacional documentário Shut Up and Play the Hits (2012), que acompanha o show final do LCD Soundsystem, James Murphy conta que na infância sonhava em ser um rockstar como Lou Reed e David Bowie, mas que desde pequeno teve a noção de que seus ídolos na verdade não eram desse planeta. Como eram de outro mundo, era impossível ser como eles, então tudo que restava era vestir uma jaqueta de couro e ao menos tentar parecer com eles. Essa história é provavelmente igual para 99% das pessoas que decidem montar uma banda de rock, mas sempre me vem a cabeça quando penso em Brian Fallon e seus consistentes e relevantes projetos nos últimos anos.
Fallon é o líder do The Gaslight Anthem e tem o projeto paralelo The Horrible Crowes, duas bandas nem tão famosas assim por terras latinas, mas que têm um espaço bem conquistado no rock norte-americano. No Gaslight Anthem, Fallon nunca escondeu que sempre quis ser Bruce Springsteen e que sempre quis homenagear – já que não podia ser – Elvis, Miles Davis e outras pessoas de outro planeta. O retrato perfeito disso foi The ’59 Sound (2008), segundo disco de estúdio da banda que é uma grande homenagem aos gênios que o músico cresceu ouvindo.
O som da banda seguiu a linha, indo de Bruce Springsteen ao The Replacements até 2012, quando lançou Handwritten, que fazia questão de trazer um encarte escrito à mão por Fallon, como quem dizia: este é o meu trabalho, a minha escrita. Rock rápido que não fugia das inspirações clássicas, mas com uma pegada autoral maior que se repetiu no disco mais recente do grupo de New Jersey, Get Hurt (2014).
“No Gaslight Anthem, Fallon nunca escondeu que sempre quis ser Bruce Springsteen e que sempre quis homenagear – já que não podia ser – Elvis, Miles Davis e outras pessoas de outro planeta.”
Mas antes de partir para os álbuns feitos à mão do Gaslight Anthem, Fallon colocou mais uma homenagem na bagagem com um disco que passou despercebido por muitos, mas de qualidade impecável. Em 2011 o músico se uniu com o guitarrista Ian Perkins e criou o The Horrible Crowes para, nas palavras de Fallon, querer também ser Greg Dulli (do Afghan Whigs) ou Tom Waits.
O Horrible Crowes tem o lado rock da raiz de Fallon, mas busca especialmente no Afghan Whigs a inspiração para adicionar à mistura um soul melancólico e pesado. A escrita num geral é mais sutil que os socos no estômago de Greg Dulli, mas em canções como “Blood Loss” e “Cherry Blossoms” o único disco do projeto, Elsie (2011), vai fundo na ferida sem medo de sangrar, como um bom Gentlemen (1993) do Afghan Whigs. Letras sobre amor que trazem um lado mais escuro não visto no Gaslight soam bem na voz de Fallon, potente e que consegue facilmente virar um rugido.
Há um grande problema no rock atual, que emula muito o que era feito em décadas passadas sem necessariamente trazer algo de novo na releitura. Nas costas do Tame Impala, por exemplo, muitas bandas têm feito música psicodélica setentista em 2015, porém soando como há 40 anos atrás. Já quando falamos no caso do Gaslight Anthem e do Horrible Crowes, vê-se a relevância em fazer uma homenagem ao passado, mas atual. Brian Fallon deixa sua paixão por Bruce Springsteen clara, mas ao invés de o copiar, faz a sua música diz: “obrigado, Boss, você me inspirou a ser assim”. Originalidade feita com sinceridade e paixão pelo passado, mas com o olho no presente.