Raul Seixas não foi um artista, digamos, convencional, no cenário musical brasileiro. Pioneiro na arte de misturar rock com ritmos nordestinos, como o baião, Raul ainda era “Raulzito” quando, na Bahia, junto com “os Panteras”, fazia relativo sucesso liderando uma banda inspirada em Elvis Presley e Chuck Berry. Mudou-se para o Rio onde virou produtor musical da CBS e, em terras cariocas, começou a dar os primeiros passos rumo à consagração como grande nome da música nacional.
No submundo da psicodelia e bebendo na fonte da Tropicália, lançou o marginal, e hoje icônico álbum, Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10, ao lado dos parceiros Sérgio Sampaio, Edy Star e Miriam Batucada, em 1971. A partir daí, [highlight color=”yellow”]a lenda de Raul Seixas começou a tomar forma[/highlight]. Sem nunca esquecer da idolatria pelos grandes nomes do rockabilly dos anos 50 e 60, e sempre reafirmando sua brasilidade, Raul fez de seus lançamentos na década de 1970 verdadeiros marcos da música nacional.
Sabendo aproveitar o vigor melódico dos pioneiros do rock’n’roll em terra brasilis junto com letras ácidas e arranjos bem trabalhados, Raul Seixas foi ícone de uma geração, se colocando, talvez propositalmente, como [highlight color=”yellow”]figura antagônica aos tropicalistas do mainstream[/highlight] e do que convencionou-se chamar de Música Popular Brasileira.
A figura de “Maluco Beleza” e o encanto pelos primórdios do rock’n’roll, não eram muito bem vistos por nomes tradicionais do samba ou da MPB. Mas Raul não se importava nem um pouco com isso. Bem resolvido e a fim de viver suas próprias loucuras, foi parceiro de Paulo Coelho, com quem trocava figurinhas sobre ufologia e ocultismo, e fez suas músicas se tornarem hinos libertários.
[highlight color=”yellow”]A obra de Raul funciona como um sopro de criatividade melódica e profundidade lírica[/highlight]. Se deparar com suas músicas é adentrar num universo particular onde humor, crítica social, deboche e reflexões existencialistas caminham lado a lado. Suas canções citam de Platão a Ernest Hemingway, numa crítica quase sempre ao comodismo e ao pensamento simplista e transcendem o âmbito musical, nos ajudando a compreender o período histórico que o Brasil vivia.
Se deparar com suas músicas é adentrar num universo particular onde humor, crítica social, deboche e reflexões existencialistas caminham lado a lado.
Raul era a mosca na sopa do pensamento conformista. No auge do milagre econômico brasileiro, que servia de máscara para as atrocidades da ditadura militar, lá estava sua acidez servindo como um tapa na cara da acomodação em trabalhos como Krig-Ha, Bandolo!, Gita e Novo Aeon.
Enquanto o senso comum se sentia satisfeito por ganhar quatro mil cruzeiros por mês, Raul Seixas não podia ficar aí parado pois tinha uma porção de coisas grandes pra conquistar. Letras como a de “Ouro de Tolo” são tão certeiras quanto o baião que irrompe em meio aos acordes de guitarra em “Let Me Sing”, seu primeiro sucesso. O humorismo de “Al Capone” é tão avassalador quanto a ode à contestação presente em “Metamorfose Ambulante”.
Mas o que é mais admirável em Raul Seixas é o fato de suas músicas serem capazes de atingir, com igual impacto, o mais letrado dos acadêmicos (sim, existem uma série de trabalhos que se dedicam ao estudo filosófico da obra do cantor baiano) e o mais singelo dos proletários, que se identificam com aquele sujeito barbudo, contestador e irreverente.
Refletir sobre o fim do mês e as agruras da previdência social são tão geniais quanto o devaneio alienígena transcendental. Com Raul, a verdade do universo e a prestação que vai vencer são faces de uma mesma moeda escancaradas por suas músicas. Como se isso não bastasse, há realmente quase de tudo em seus trabalhos: blues; rock; psicodelia; repente; samba; música romântica; baião; tango e bolero. Em suma, há “raulseixismo”.
E os devotos desta vã filosofia “raulseixista” agradecem a cada precioso minuto da obra do Maluco Beleza. Raul Seixas nos mostrou o que é o rock’n’roll, gritou abre-te sésamo para a imensidão do universo que nos atormenta há 10 mil anos. Fez comida na panela do diabo e comeu o pão que o próprio amassou. Explorou matas virgens em busca da pedra do gênesis pra mostrar por quem os sinos se dobraram no dia em que a terra parou. Foi-se embora, embarcando no metrô linha 743 e gritando “uah-bap-lu-bap-lah-béin-bum!
Salve Raulzito.