Muito se pede no rock que a atitude seja acompanhada de conteúdo. Ainda que o gênero não esteja mais disseminado em todas as camadas, culpa própria, diga-se, ele reverbera para uma parcela da população, que ainda crê no poder transformador dos riffs e das distorções. Esta é, inclusive, uma das hipóteses em torno da ascensão do Escambau nos últimos anos.
Usando uma frase que viralizou recentemente, a banda transcende a música. Hoje, a Escambau funciona como uma ideia, uma mola propulsora e catalisadora da angústia e dos anseios de uma geração, e não somente sob um viés político eleitoral, mas sobretudo sob a compreensão do que permeia a vida dessas pessoas – e entendendo que toda atitude é política, do amor ao rock.
A banda curitibana consegue como poucas conciliar concepção estética e comportamental, fugindo do oportunismo que, não raramente, dá as caras no rock nacional. É nítida a compreensão dos músicos de seu papel como ativistas do gênero, da arte, de si e do outro. Há, contudo, um elemento que foge ao controle do grupo: a percepção do próprio público. Neste caso, a apropriação e ressignificação do trabalho dos artistas pode (e deve) agir como a aceitação de que, no momento de seu lançamento, o artista perde o direito sobre sua própria obra, que ganha novos contornos e cores.
O exemplo mais claro pode ser tomado a partir de Eléctrico, EP totalmente em espanhol lançado neste mês pela Escambau. Ao mesmo tempo que atua na construção de pontes com nossos vizinhos hispânicos, Eléctrico é um manifesto sobre a pluralidade da arte, que concentra debaixo de um mesmo guarda-chuva as idiossincrasias que marcam nossa latinidade. Se musicalmente ele expande Sopa de Cabeça de Bagre e pode, eventualmente, ser visto como uma continuação, esteticamente ele se manifesta sob uma escolha diferente de linguagens (e de semânticas, verbais e conjunturais) uma viagem construída através de experimentações – uma das características mais marcantes da discografia do grupo.
Ao mesmo tempo que atua na construção de pontes com nossos vizinhos hispânicos, Eléctrico é um manifesto sobre a pluralidade da arte.
O quinteto formado por Giovanni Caruso, Maria Paraguaya, Zo Escambau, Yan Lemos e Ivan Rodrigues é muito feliz quando busca elementos do rock argentino, a urgência do garage rock, o sex appeal do reggaeton e a crueza do rock inglês e joga isso em seu caldeirão musical, marcado pelo empirismo. É preciso talento para unir gêneros e ritmos tão díspares sem cacofonias ou estereotipação e ainda obter um resultado tão original quanto o que encontramos em Eléctrico, tudo em apenas três faixas.
Em certos momentos, parece bem claro que estamos assistindo a história da arte local sendo construída. Em um curto período de tempo, ficou evidente que a Escambau chegou ao ápice artístico, um nível difícil de ser atingido e mais complicado ainda de ser mantido. Para sorte do público, todos os envolvidos têm plena noção desta responsabilidade, o que se vê a cada passo dado pela banda.
Injusto seria destacar alguém neste conjunto tão coeso e entrosado, com alguns dos nomes mais talentosos que a música paranaense acompanhou na última década. Não obstante, é impossível não fazer aqui um elogio ao que Giovanni Caruso vem implementando na música feita em solo curitibano. Ele pode certamente ser (e será) lembrado pelo trabalho do Faichecleres, mas o que ele faz como frontman do Escambau, na opinião deste jornalista, não encontra precedentes recentes.