Mais comuns em obras literárias, cinematográficas e de teledramaturgia, por vezes a música também nos brinda com arcos narrativos. Gosto de olhá-los desta forma, pois noto grandes diferenças no caminho de um artista que passa por um processo de transformação dentro de sua carreira e o artista que flerta com outros gêneros. Obviamente, não faço juízo de valor, posto que existem transformações e flertes muito bem-sucedidos, ao passo que desastres também encontram exemplos em ambos. Trago hoje na “Prata da Casa”, como exemplo de um grande arco narrativo na cena local, a cantora Laura Petit.
A brasiliense radicada em Curitiba lançou recentemente Monstera Deliciosa, seu primeiro álbum completo. Com uma sonoridade contemporânea, o disco é um bom representante desta nova safra de cantoras brasileiras que abraçam a MPB e a casam com arranjos mais ousados, trazendo notas de psicodelia, texturas instrumentais sutis e batidas onde teclados, sintetizadores e ruídos eletrônicos compõem um jogo que aproxima a obra do pop sem tirar o pé dessa verve alternativa.
Há uma coerência estética e uma harmonia na narrativa do álbum, que apesar de milimetricamente estabelecido, não resulta em uma música artificial.
Laura passou os últimos 5 anos gestando Monstera Deliciosa. Bem distinto dos EPs Onde o Vento Faz a Curva (2012) e Manacá Dente Saudade (2015), o novo registro completa essa mudança pela qual a cantora passou no período. Definitivamente, não apenas a sonoridade é completamente diferente, mas a consistência dos temas abordados no trabalho, a riqueza literária das composições e até as notas que pulam para fora da boca de Petit.
As primeiras gravações de Laura Petit passaram pela MPB neo-indie e se aproximaram de ritmos regionais. Analisando comparativamente seus três lançamentos, nada resta da artista que dava a impressão de construir uma carreira em cima da cacofonia sonora. A efemeridade das composições de Onde o Vento Faz a Curva sumiram. Monstera Deliciosa segue a linha do que Céu, Tulipa Ruiz e Karina Buhr estabeleceram na música brasileira dos últimos 10 anos. O minimalismo da voz da cantora se encaixa nas trilhas suaves do baixo e das guitarras, mostrando a precisão da pós-produção do disco.
Há uma coerência estética e uma harmonia na narrativa do álbum, que apesar de milimetricamente estabelecido, não resulta em uma música artificial – quando o excesso de cuidado mascara a qualidade de um produto ao torná-lo excessivamente planejado, parece que a produção retirou a pulsão que confere vida à música. Em Monstera Deliciosa, Laura Petit mostra que é possível dar uma guinada na carreira e atingir um grande nível tirando o melhor de seu talento no comando do microfone.
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Não estamos diante apenas de um bom disco, mas de um ótimo trabalho no estabelecimento de referências e no cruzamento destas com as melhores características de Laura e do time que a acompanha do álbum – a saber: Bruno di Lullo, Eduardo Manso, Rafael Rocha, Roberto Pollo e Estevão Casé.
Gravado no estúdio Rock It!, no Rio de Janeiro, com produção de Eduardo Manso, Felipe Fernandes e Estevão Casé, não é para se espantar se, ao final do ano, estivermos olhando para Monstera Deliciosa como um dos grandes lançamentos paranaenses em 2017.