Poucos discos se conectam entre 1960 e 2010 no Brasil como Os Afro-Sambas. Quando iniciou a pesquisa para o que viria a ser o álbum dividido com o parceiro Baden Powell, o Poetinha Vinicius de Moraes não pensava em produzir um sucesso radiofônico de massa, muito pelo contrário, para ele o repertório de Os Afro-Sambas não tinha “um mínimo de interesse comercial” (ele grafou a frase na histórica contracapa do vinil lançado em 1966, relembrando um tempo em que os releases de apresentação vinham anexados à arte do álbum).
Daí que 51 anos depois, uma nova geração se junta para prestar homenagem ao álbum mítico, o que revela não só a sedução e atemporalidade de um dos discos mais importantes de toda a música brasileira como também sua conexão com a juventude brasileira dos anos 2000, que sambou a dois com o Los Hermanos sem vergonha e apaixonadamente. Em 1966, Os Afro-Sambas foi um álbum histórico demarcador de fronteiras – antes, Bossa Nova, depois, Tropicália – que talvez não tenha sido perfeitamente entendido.
Em 2017, porém, Os Afro-Sambas surge perfeitamente sincronizado com a intensa busca pela brasilidade da nova Vanguarda Paulista; com as batidas afrobeat de BaianaSystem, Iconili e Ifá; com o batidão dançante e politizado do BaianaSystem; com as guitarradas paraenses, com o belíssimo Ascensão, de Serena Assumpção, que, assim como Os Afro-Sambas, nem soa um disco, mas uma oração compartilhada por Karina Buhr, Luê, Tulipa, Tatá Aeroplano, Curumin, Anelis, Domenico, Bem Gil, Céu, Mariana Aydar e Filipe Catto, a nova música brasileira.
Mais do que a internacional Bossa Nova, do que a descolada Tropicália e do que a inocente Jovem Guarda, três estilos que miravam o mundo anglo-saxão num momento em que o Brasil passava por um duro golpe militar (dois anos antes do disco, militares haviam deposto João Goulart; dois anos depois do disco, eles promulgariam o AI5 e colocariam o Brasil num período de trevas), Os Afro-Sambas olhavam para a África dialogando com suas influências, que foram decisivas no modo de cada um nascido neste pobre país ser orgulhosamente… brasileiro.
Desta forma, a música brasileira pariu diversos álbuns clássicos em mais de 100 anos de história discográfica, mas poucos, muito poucos são os discos que mantém o status intacto de Os Afro-Sambas, soando tão atual e revolucionário em 1966 quanto em 2017. Segundo Baden Powell, ele e Vinicius estavam estudando a cultura brasileira quando decidiram mergulhar nos Os Afro-Sambas. O resultado final conta um pouco da história do Brasil. É possível esperar mais de um long play? Saravá.
Texto por Marcelo Costa, jornalista, criador e editor do Scream & Yell
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FICHA TÉCNICA
Idealização: Alejandro Mercado;
Realização: Escotilha;
Masterização: Tiago Brandão, Estúdio Vox Dei Music (Curitiba – PR);
Produção artística: Alejandro Mercado e Jorge Wagner;
Produção executiva: Alejandro Mercado;
Projeto Gráfico: Lucaz Mathias, Estúdio Cão (São José dos Campos – SP);
Textos de introdução: Marcelo Costa, Scream & Yell.