Normalmente, nas resenhas de álbuns e shows que produzo para cá, tento ao máximo manter um tom impessoal para que, de algum modo, o leitor consiga chegar a seu próprio posicionamento ou, quando no caso de um disco ou artista, avaliar por si. Hoje, no entanto, isso não vai funcionar. A noite de domingo passado no Maracanã não foi apenas uma experiência coletiva intensa, mas um espetáculo digno de uma epifania pessoal.
Fui parar no Maracanã, dia 25, arrastada, inicialmente, pelo Queens of the Stone Age. Fã de longa data de Josh Homme e companhia, achei que não podia perder a oportunidade de ver uma das minhas bandas favoritas a menos de 15 minutos de casa. A ideia de ver um show do Foo Fighters me parecia um brinde.
Cheguei no estádio às 18h40, na metade do show dos brasileiros do Ego Kill Talent, que, preciso mencionar, não fizeram nada feio em comparação aos gigantes da noite. Carismáticos e competentes, a banda não apenas tinha fãs entre os presentes como conseguiu angariar mais alguns.
Queens of the Stone Age
Pouco antes das 19h30, o QotSA entrou no palco. Com uma precisão cirúrgica e uma parede de guitarras que parecia esmagar o estádio, entregou um show absolutamente irrepreensível. Há uma lenda que se popularizou desde os anos 1990 que grandes bandas, da dimensão de Foo Fighters e Queens of the Stone Age, não trariam para suas turnês sul-americanas suas aparelhagens e instrumentos completos e sim uma versão compacta do que normalmente é usado nos EUA e Europa. Acho que isso ficou – felizmente – no passado. Josh Homme troca de guitarra a cada música, não apenas na tentativa de reproduzir o que talvez tenha sido feito no conforto do estúdio, mas claramente em busca de mais peso.
Ao vivo, a espessura da guitarra e a competência dos músicos, em especial do baterista Jon Theodore, é assustadora. Se, por vezes, a voz de Josh desaparece no meio dos instrumentos, isso pouco importa. A impressão que se tem é de um grupo afiado, de músicos experientes, que se conhecem e que não hesitam em improvisar. Os solos de guitarra e bateria eram para deixar qualquer um boquiaberto.
Foi uma noite absolutamente memorável. Fui esperando uma coisa e encontrei algo muito melhor. Maior.
É preciso mencionar que, em comparação com o grande showman da noite, Dave Grohl, Josh Homme é menos falante e compenetrado, apesar de estar levando a sério a proposta mais dançante do último álbum, Villains (leia nossa crítica do disco). A banda, ao longo de quase duas horas de show, apresentou um setlist coeso, cheio de transições interessantes e grandes sucessos, como “If i had a tail” e “I sat by the ocean”, do excelente …Like clockwork, além de grandes hits como “Little sister”, “Go with the flow” e “The lost art of keeping a secret”, tudo acompanhado de muita energia e alguma dancinha por partes dos integrantes, em especial o vocalista, que arriscava passos e se remexia ao ritmo das músicas. Foi absolutamente impecável. É preciso dizer também que o Villains é um álbum que funciona muito melhor ao vivo.
Foo Fighters
É quase difícil traduzir o que foi o show do Foo Fighters. Como fã ardorosa de Nirvana que fui na adolescência, me custa a acreditar que a personalidade exuberante e a simpatia extrema de Dave Grohl ficaram escondidas durante tanto tempo atrás das baquetas da banda de grunge. O Foo Fighters sobe ao palco como se já estivesse tocando há horas e todas as músicas soam como se fossem simultaneamente a primeira e a última, tudo é uma apoteose, acompanhada de perto por um público hipnotizado.
Dave Grohl é um gigante. Com um sorriso que parece congelado no rosto, o líder da banda brinca, conta piadas, conversa com o público, improvisa e mostra que grandes bandas são feitas ao vivo. A banda apresentou um setlist que cobriu quase a totalidade de seus álbuns de estúdio, com direito a clássicos dos anos 1990, como “My hero”, “Monkey wrench” e “Learn to fly” e outras faixas que fizeram a fama da banda, além de sucessos do último álbum, como “Run”.
Dave é uma fonte de energia inesgotável: era quase impossível desgrudar os olhos do palco por um segundo que fosse. Se antes eu não me considerava fã, agora posso afirmar sem sombra de dúvida que o Foo Fighters é uma das maiores bandas de sua geração e que Dave Grohl talvez seja o único músico em ação que ofereça a mesma energia e alegria no palco que o ex-Beatle Paul McCartney, por exemplo.
O grande mérito do Foo Fighters não é apenas Dave: todos são músicos talentosos. Apesar de o líder claramente roubar a cena, há que se mencionar o monstruoso Taylor Hawkins, que além de baterista, cantou (bem) e chegou a abandonar seu posto com o vocalista para cantar “Under Pressure” à frente da banda para um Maracanã completamente apaixonado. Aliás, esse talvez seja o sentimento que predominou durante as quase três horas de show. Não é apenas o público que observa e canta apaixonadamente, mas os músicos que estão ali não poderiam parecer mais apaixonados pelo que fazem. A impressão que se tem é que todas as músicas da banda foram pensadas para serem tocadas em estádios enormes, acompanhadas por um coro de vozes emocionadas.
Foi uma noite absolutamente memorável. Fui esperando uma coisa e encontrei algo muito melhor. Maior. Virei fã. A todos aqueles que já possuem ingressos comprados para os próximos shows, sequer preciso desejar bom show. Vai ser incrível. E se você está lendo isso e ainda tem alguma dúvida, eu aconselho que compre seu ingresso o mais rápido possível. É imperdível.