Apesar da vivência mais próxima com a música latina, em especial a boliviana, admito que nunca fui um profundo conhecedor do que o país de origem de meu pai oferecia em questão de música para além das folclóricas. E isto sempre foi um fator de questionamento interno: por que montamos esse recorte da cultura boliviana no Brasil, centrada apenas na questão folclórica de grupos como Los Kjarkas, e nos demos por satisfeitos?
Quando a coluna “Radar” foi criada, um de meus objetivos com ela era justamente ampliar a visão sobre a música dos países próximos ao Brasil. Dito isso, a viagem de hoje foi feita para Cochabamba, capital do estado (ou departamento) de mesmo nome, localizada no centro da Bolívia.
Terceira maior cidade do país, Cochabamba também apresenta, além de sua forte economia agrícola e das minas de estanho, prata e cobre, uma cena musical efervescente. Entre os grupos que por lá exercem uma força contínua para erguer a cabeça para fora do anonimato, a Mammut vem sendo uma que chama a atenção da crítica e público além dos limites do país andino.
O quarteto formado por Diego Boulocq, Mauricio Moscoso, Pablo Quiroga e Gabriel Lema (este último, apenas como colaborador) faz um potente indie rock há cerca de 10 anos. Em 2007, a Mammut lançou seu primeiro disco, o homônimo Mammut. Com 10 faixas, o álbum era muito mais pop do que no momento atual. Deste registro, canções como “Idiotizado” e “Canción de Fondo Para un Día de Verano” eram os grandes destaques. Mas após esse bom início a banda deu um espaço até gravar novo material.
“Na verdade há um disco entre Mammut e Barbarie chamado El Mundo Es Un Día Gris. É um disco com 6 faixas ao vivo e 4 canções inéditas de estúdio. Poderia dizer que é um EP”, contou Diego em entrevista concedida direto de Cochabamba. Os integrantes estão na estrada musical desde os tempos de colégio, quando decidiram que era o que queriam fazer da vida. Por isso, Boulocq afirma que a pausa entre o álbum de 2007 e o mais recente, de 2014, era necessária. “Nos dedicamos a projetos pessoais e outras coisas que não tinham necessariamente a ver com a música. Penso que foi um tempo importante para crescer”, afirmou.
Barbarie e o novo momento da Mammut
Em Barbarie, lançado em 2014, a banda realmente mostrou como amadureceram com a pausa. Com riffs mais contemporâneos que nos registros anteriores, as guitarras também ganharam mais peso, além do distanciamento do pop e a aproximação do eletroindie.
E é inegável o poder de Barbarie. As 6 faixas do registro são coesas, potentes, rítmicas, a começar por ‘Resiste’, música que abre o disco.
Mixado e masterizado fora da Bolívia, o processo pode não ter sido definitivo na sonoridade do disco, mas certamente agregou novas nuances à banda. “As guitarras têm mais protagonismo [em Barbarie]. Talvez seja isso que faça dele um álbum mais enérgico, mais direto”, comenta o vocalista e guitarrista da Mammut. “Crescemos ouvindo bandas ‘anglo’ que continuamos admirando. Isso nos leva a querer trabalhar com outras pessoas, daqui ou do exterior, que possam contribuir com nossa música”, complementa.
E é inegável o poder de Barbarie. As 6 faixas do registro são coesas, potentes, rítmicas, a começar por “Resiste”, música que abre o disco. Sua guitarra pesada é repleta de energia, enquanto o baixo de Quiroga faz um excelente equilíbrio melódico. Os riffs são bem estruturados, de forma que invariavelmente você vai jogar seu corpo no ritmo da marcação de compasso das batidas de baqueta de Moscoso. Algo semelhante acontece em “Vértigo”.
“Degradé” faz as vezes de quebra no álbum. Mais cadenciada, sua letra é um convite à reflexão e seu instrumental compõe um eixo mais contemplativo. Em “Volcán” a Mammut sobe o tom e despeja distorção dançante nos tímpanos dos ouvintes. “Libertino”, além de bela, possui um videoclipe inspirador. Montada em uma motocicleta, uma garota vai deixando para trás o asfalto, o mundo, os problemas. É só ela e a estrada. Poético, o clipe é todo rodado em preto e branco. É a faixa em que se nota mais facilmente boa parte das influências da Mammut, como o rock alternativo dos anos 90, o punk dos 80 e o indie britânico.
Mammut indica
Aproveito a disponibilidade de Diego e pergunto como é a cena musical boliviana, interessado em compreender o que nos aproxima musicalmente. “Tradicionalmente, a Bolívia exportou música folclórica, e na maioria dos casos, eles foram representantes dignos da nossa cultura”, conta. “Eu sinto que hoje em dia há propostas muito autênticas e honestas dentro do rock, ou na música alternativa, a de fusão ou a eletrônica. Pequenos movimentos que tratam de abrir espaço em uma cena cada vez mais heterogênea e para um público cada vez mais universal”, finaliza.
Antes de encerrarmos nosso papo, peço que eles deixe algumas dicas do que devemos ouvir para ampliar nosso conhecimento sobre a cena boliviana. Avionica (que já falamos aqui na coluna) e PervClub são bons exemplos. Também há a Oil, Enfant, Oz, Animal de Ciudad, Efecto Mandarina e algumas bandas emergentes: Visiones, La Luz Mandarina e Passto”. Creio que temos material suficiente para traçar uma nova Bolívia em nossos ouvidos.
NO RADAR | Mammut
Onde: Cochabamba, Bolívia.
Quando: 2007
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