Se o termo “música instrumental” te faz pensar em algo restrito a um grupo muito seleto, pense de novo. Hoje, são tantas roupagens e referências que os seus limites e os seus públicos estão em expansão. De Norte a Sul do país, em gêneros que vão do regional até o rock, uma série de grupos vem se dedicando a essa forma de expressão, que aos poucos vem procurando abrir seu espaço, inclusive com a criação de festivais próprios (como os gaúchos Tum Tum Instrumental e Festival Porto-Alegrense de Bandas Instrumentais, por exemplo). Dentro desta prolífica cena, uma banda que vale a pena conhecer é a Trabalhos Espaciais Manuais, ou apenas TEM, de Porto Alegre, que acaba de lançar seu segundo EP e vem construindo uma base de apoiadores dentro da cena independente.
Desde o início da banda, em 2013, muita coisa mudou: o trio virou um coletivo de dez músicos e o projeto inicialmente pensado para tocar surf rock incorporou em sua matriz sonora o jazz, funk, música brasileira e afrobeat. O que permaneceu foi a ideia de investir no som instrumental. “De repente, a gente viu que o que mais gostávamos de fazer era uma sonoridade mais pra JazzFunk, aplicar umas rítmicas mais dançantes no nosso repertório. Daí fomos chamando amigos para tocar teclado, sopro. Quando a banda já estava com cinco ou seis integrantes, sentimos falta da percussão, e alguma coisa já mostrava que tinha um pessoal que gostava dos nossos shows, que não tinha só aquele círculo de amigos e que o círculo de amigos estava ficando maior”, conta João Pedro Cé, guitarrista da TEM. Inspirados pela atmosfera dançante dos anos 70, os shows viraram bailes-show, hoje uma das principais marcas do projeto.
O primeiro registro da Trabalhos Espaciais Manuais veio em 2015, com um EP de quatro faixas. Autointitulado, o trabalho é uma boa primeira amostra da proposta sonora da banda, com composições de ritmo dançante e melodias marcantes, como “Farofa de Banana (TuMaracá)”.
Para concretizar a mais nova criação, a banda contou com a parceria dos fãs através de uma campanha bem-sucedida de financiamento coletivo. Foram pouco mais de R$ 22 mil arrecadados em quase 400 apoios.
Já o segundo EP, intitulado TEM’18, chegou ao público no final de março e mostra uma face mais amadurecida da banda. As cinco composições deixam evidente o desenvolvimento dos arranjos e também o maior entrosamento dos músicos. O disco teve a produção de Marcelo Fruet, que já trabalhou com Dingo Bells e Chimarruts, e de Sérgio Soffiati, curitibano que assina trabalhos de bandas como Dead Fish e Andre Abujamra, em uma das faixas.
“Isso quer dizer que tínhamos um elemento que não estava preocupado em executar a música, mas sim em ouvi-la e apontar direções para o coletivo, num sentido de compreender que música a gente quer fazer. Isso foi iniciado com o Sérgio Soffiati, na gravação do nosso single ‘Cada Dia Um Novo Amor’, que culminou na gravação do álbum, com o Marcelo Fruet. Essas duas figuras ajudaram a amadurecer muitos processos musicais e interpessoais dentro da banda”, conta João Pedro.
Para concretizar a mais nova criação, a banda contou com a parceria dos fãs através de uma campanha bem-sucedida de financiamento coletivo. Foram pouco mais de R$ 22 mil arrecadados em quase 400 apoios. “Isso é uma prova de que a gente tem uma galera muito firme que está junto com a gente não só como um simples ‘fã’, mas como alguém próximo que acredita no nosso projeto e de alguma forma constrói a banda junto com a gente”, afirma o guitarrista.
E como criar e fortalecer esses laços com o público? Para o guitarrista João Pedro Cé, além dos bailes, o segredo está na mistura musical própria que leva um pouco de cada um dos integrantes: “Tem músicas nossas que tem até cinco pessoas envolvidas na composição, mas sempre são as dez que estão envolvidas no arranjo dela. Isso faz com que a gente de alguma forma extrapole os gêneros formatados e passe a criar colagens e junções inusitadas que me parecem ser um dos trunfos da banda. Sempre que perguntam o gênero que a gente é, fica a dúvida”.
Mas vale ressaltar, principalmente quando se fala de música independente, que ter apoio não quer dizer que o processo se tornou fácil, não. Talvez apenas um pouco menos difícil. “Estar no que se chama de circuito independente é osso duro. Tu seres o produtor executivo, social media e artista, tudo ao mesmo tempo, é desgastante”, reflete João Pedro. E, dentro do circuito da música instrumental, além das dificuldades comuns a todos os artistas independentes, ainda existem muitas barreiras específicas que precisam ser rompidas. Entre elas, que o número de público seja proporcional à vasta produção que estamos presenciando e, claro, que haja um reconhecimento cada vez maior da música instrumental como forma de expressão. Afinal, é possível dizer muita coisa no intervalo entre os silêncios, no diálogo entre instrumentos e na construção de uma atmosfera que nem sempre é alcançada pela palavra.
NO RADAR | Trabalhos Espaciais Manuais
Onde: Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Quando: 2013.
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