Todas as mulheres são um pouco Rita Lee. Mesmo as que nunca a ouviram, ou não têm ideia de quem ela tenha sido, ou de sua importância.
Mais do que ícone da música brasileira e mundial Rita Lee Jones, que hoje nos deixa órfãos de sua genialidade e rebeldia, do seu humor e lirismo, Rita teve uma vida plena, intensa, múltipla. Foi uma em muitas.
A Rita Lee quase adolescente que ingressou, ainda nos anos 1960, nos Mutantes, uma das mais importantes bandas de rock de qualquer planeta, não era um enfeite, tampouco musa dos irmãos Arnaldo e Sérgio Batista. Ela trazia no corpo, no olhar, nas atitudes, esse brilho inquieto de quem era brasileira e americana (como seu pai), rock and roll e tropicalista, tradicional e transgressora, Ziggy Stardust e Jeca Tatu. Mutante em sua essência.
Segundo Caetano Veloso, nos versos de “Sampa”, Rita era a mais completa tradução da cidade onde nasceu, viveu e escolheu morrer, porque também era onde se traduzia em toda a sua complexidade de um lugar tão cosmopolita quanto provinciano. Afinal, ela era um cruzamento de referências, contradições.
Eu ouvi Rita Lee pela primeira vez na infância, no início dos anos 1970, quando uma prima, Cássia, um pouco mais velha e fã de carteirinha, me fez ouvir “Mamãe Natureza”, de Atrás do Porto Tem uma Cidade, seu álbum de estreia com a banda Tutti Frutti. Adorei! Meu caso de amor com ela, no entanto, apenas se consolidaria com Fruto Proibido, para mim um dos mais perfeitos discos da música pop de todos os tempos, cuja faixa-título traz um versos que para mim se tornou um mantra: “Comer um fruto que é proibido, você não acha irresistível/Neste fruto está escondido o paraíso, o paraíso”.
Fui muito, muito feliz, ao som de Rita Lee, que para mim foi aquela tia louca, libertária, que me salvou da melancolia e da monotonia como uma super-heroína saída dos quadrinhos.
Vieram daí Entradas e Bandeiras, Babilônia, até que, por conta do casamento de cama, mesa e palco com Roberto de Carvalho, Rita ficou mais leve, romântica e sensual, como revelam os deliciosos versos de “Mania de Você”, uma de suas canções mais populares.
Desse estado de apaixonamento, Rita e Roberto pariram o pop carnavalesco hedonista que embalou minha adolescência ao som de “Lança Perfume”, “Baila Comigo”, “Nem Luxo Nem Lixo”, “Saúde”, “Banho de Espuma”, “Flagra”.
Ao contrário do que seus fãs mais roqueiros reclamavam, Rita não havia sido domesticada. Em plena ditadura, ela escolheu o prazer, o deleite de viver e o amor, como arma revolucionária, subversiva. Cantava, em “Saúde”, “Enquanto estou viva, cheia de graça/ Talvez ainda faça um monte de gente feliz”. E fez.
Fui muito, muito feliz, ao som de Rita Lee, que para mim foi aquela tia louca, libertária, que me salvou da melancolia e da monotonia como uma super-heroína saída dos quadrinhos. Sua voz, que João Gilberto dizia ser pura bossa nova, embalou meus amores, minhas dores e até hoje embala meus dias. Que assim seja até eu reencontrá-la em outra galáxia.
ESCOTILHA PRECISA DE AJUDA
Que tal apoiar a Escotilha? Assine nosso financiamento coletivo. Você pode contribuir a partir de R$ 15,00 mensais. Se preferir, pode enviar uma contribuição avulsa por PIX. A chave é pix@escotilha.com.br. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.