1983. Eu tinha 18 anos, acabara de retornar de um ano de estudos nos Estados Unidos. Dali a seis meses faria vestibular, mas só conseguia pensar nos amigos que havia feito e nas experiências vividas longe de casa e da família. Sentia-me um peixe fora d’água.
Entre apostilas que se empilhavam e tentativas sinceras de deixar a melancolia um pouco de lado, sobrava confusão. Que curso escolher? Como me reconectar com a vida em Curitiba? O que fazer com o vazio provocado pela rompimento abrupto de relações intensas (como elas costumam ser naquela idade) e aceitar a distância como fato consumado? Muitas perguntas e nenhuma resposta.
Meio ao acaso, entrou em cena Ziggy Stardust. Fuçando na pilha de LPs de um tio 15 anos mais velho, fã de Beatles, Led Zeppelin e do som da Motown, encontrei alento. No auge do fenômeno Michael Jackson (de quem gosto até hoje), descobri David Bowie, que à época vivia uma espécie de renascimento, graças ao sucesso do álbum Let’s Dance. Hits irresistíveis, como a faixa-título, “China Girl” e “Modern Love” revelaram a face mais pop e radiofônica do camaleão britânico, sob a produção de Nile Rogers, mentor da banda Chic, responsável por alguns clássicos da disco music.
“Meio ao acaso, entrou em cena Ziggy Stardust. Fuçando na pilha de LPs de um tio 15 anos mais velho, fã de Beatles, Led Zeppelin e do som da Motown, encontrei alento.”
Mas foi The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars, disco lançado em 1972, que me converteu. Título fundamental do glam rock, o álbum é uma espécie de ópera-rock que traz Bowie no papel de Ziggy, andrógina versão humana de um ser alienígena que vem à Terra com a missão de presentear a humanidade com uma mensagem de esperança nos últimos cinco anos que restam ao planeta.
O alien era eu. Identificação, afinal, é palavra-chave na vida de qualquer adolescente.
O álbum, para muitos um dos melhores que o rock já produziu, inclui uma sucessão impecável de canções de rock: “Starman”, “Hang on to Yourself”, “Ziggy Stardust”, “Star”, “Moonage Daydream”, “Soul Love”, “Lady Stardust” e “Five Years”. É, ao mesmo tempo, apocalíptico e esperançoso. Destrutivo e messiânico.
The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars me levou a outro dos meus favoritos: Low (1977), união de esforços entre Bowie e o produtor e compositor Brian Eno, que misturaram rock e música eletrônica, com ecos dos robôs de carne e osso alemães do Kraftwerk – vale lembrar que o álbum foi gravado em Berlim.
Em 1997, agora jornalista de cultura, tive a oportunidade de entrevistar Bowie no Hotel Sheraton, no Rio de Janeiro. Em poucos dias, ele faria um show histórico na Pedreira Paulo Leminski, em Curitiba, e quando o vi de perto, de olhar nos seus olhos bicolores, confesso que tremi nas bases. Por um momento, acreditei que não conseguiria formular a primeira pergunta e aquietar o fã que insistia em calar o repórter naquele instante. Era como se tivesse, em um estalar de dedos, retornado no tempo, e fosse, de novo, aquele adolescente confuso. Mas o dever me chamava. Então agradeci, em silêncio, a meu super-herói, Ziggy, por ter salvo minha vida. Também por causa dele, havia conseguido chegar até ali.