Existe uma linha tênue entre o movimento artístico executado como hobby e a arte que se torna trabalho e fonte de renda. Muitas vezes, a discrepância parece estar no público que não aceita pagar para ter acesso ao conteúdo oferecido, mas, acredito eu, que muito antes de chegar nesse momento, quando o artista começa a entender-se como artista, e não mais como outro profissional que leva a arte como segundo plano, começam também as burocracias. Nessa hora, muitos procuram gravadoras, como forma de se livrar da “parte chata” e poder profissionalizar sua música.
Quando escrevi sobre a glória e o revés de ser independente, a questão era entender como os artistas têm se desdobrado para sobreviver no mercado fonográfico, que vem sofrendo as consequências das mudanças constantes do meio digital. A partir desse ponto, fui para trás do palco, afinal, como uma música chega às plataformas digitais?
Então, Lívia Sá, entrevistada da penúltima reportagem dessa trinca, me mostrou que, mesmo no meio independente, a execução de todas as etapas de uma banda envolve muitas pessoas. E por fim, mas não menos importante, chegou a vez das gravadoras, parte crucial do que dita o mercado de música brasileiro. No final de agosto, a curitibana Karol Conka resolveu entrar para o time de artistas da Sony Music, assinando contrato com a gravadora para o lançamento do seu segundo álbum.
No cenário independente, elas têm feito cada vez menos parte da realidade dos artistas, que, devido à facilidade de distribuição digital, tendem a priorizar a autenticidade do trabalho do que sonhar com empresas que já dominam o mercado. Em contrapartida, enquanto a gravadora de grande porte é uma realidade distante, vão surgindo os selos independentes, um empreendimento menor criado para reunir todos os projetos em um único lugar, dando forma a uma plataforma que unifica os artistas e/ou músicas dentro de uma estética identificável, como explica Estêvão Vieira, músico e designer, fundador do Chupa Manga Records. “Um selo parte dessa vontade de aglutinar várias coisas debaixo de um mesmo guarda-chuva. Se você tem um grupinho de amigos que curte o mesmo som já pode criar o seu selo, fazer uns eventos em casa e botar o som na internet. Tem espaço pra tudo.”
O músico concorda que, para uma banda pequena, estar associado a uma gravadora pode render bons frutos, como ter uma melhor curadoria do trabalho, além do constante relacionamento com outras bandas. Mas ser independente tem seu preço, se na gravadora o artista tem uma equipe para distribuir todo o trabalho. Quando falamos de um selo, geralmente o dinheiro é curto e o trabalho precisa ser feito por colaboradores ou pelo próprio fundador, como no caso de Estêvão. Aqui, o amor pela arte impera como mola propulsora para fazer valer a pena tempo e dinheiro gastos. “Eu basicamente componho, arranjo, gravo, mixo, masterizo, escrevo release, mailing, faço capa e projeto gráfico, cadastro obra e fonograma, divulgo teaser, post, tuíte, coloco no Spotify, YouTube, Facebook, blog e sei lá mais onde, em troca de um ou outro like”, diz Estêvão, que não satisfeito, também divulga seu trabalho em um zine impresso, também criado por ele.

‘Se uma banda só alcança um pouquinho de gente, talvez juntando os pouquinhos de gente de cada banda, nós consigamos um público maior.’
Cada banda exige um cuidado especial e diferente na atuação dos selos, enquanto algumas chegam com tudo “encaminhado”, faltando somente a distribuição na internet, em outros casos pode ser necessário também imprimir uma mídia física. Tudo vai variar de acordo com o combinado, e nesse momento entram em ação os contatos e colaboradores dos projetos. Matheus Eduardo Mantovani, proprietário da Onça Discos, conta com uma grande rede de apoio, que realiza desde a fotografia dos eventos da gravadora até os textos para participação de editais. Para ele, a cooperação entre os artistas é primordial para que o trabalho da empresa continue rendendo frutos, “se uma banda só alcança um pouquinho de gente, talvez juntando os pouquinhos de gente de cada banda, nós consigamos um público maior”, explica o músico, que, muitas vezes, acaba não cobrando pelo serviço realizado a artistas com pouco dinheiro, dependendo de cada proposta, por considerar que o investimento em boa música vale a pena.
Bruno Cee Farias, produtor da Suite Music, já participou de eventos realizados por Matheus e concorda com a necessidade da união dos artistas, ao enfatizar sua preocupação com o público quando o assunto são os lançamentos no cenário do Hip Hop. “A nossa cena é fraca justamente porque não tem essa união e o apoio da galera local. Mas o que me deixa feliz são os convites para eventos que misturam diferentes tipos de arte. Onde depois do meu som, pode começar um show de rock, por exemplo”, relata Bruno, que também atua como DJ e MC. Enquanto propagador dos artistas do selo, o músico acredita que não existem hits flopados – que não fizeram sucesso –, e não há porque abandonar uma música já lançada para substituir por algo novo. “Nós entendemos que deve existir um carinho na hora de divulgar cada um dos projeto na internet”.
Apesar do trabalho dobrado e muitas vezes não remunerado, os selos vão garimpando o cenário musical com menos preconceitos e mais flexibilidades que as grandes gravadoras costumam atuar, reunindo amigos loucos por música, e acreditando na arte acima de tudo.