Lá quando cantou “agasalho É Ter Você” em 2012, ou quando fez um dueto com Fernanda Takai em 2014, ou quando foi doce em “Feliz e Ponto” no ano passado, Silva chegava cada vez mais perto de ser o cantor romântico que parecia tentar se tornar. A cada um dos seus três primeiros discos lançados, o músico capixaba reduzia os efeitos eletrônicos das canções e dava mais espaço para a sua voz e às letras. Em Júpiter (2015), ele deu um salto adiante ao encontrar “Marina”, de Dorival Caymmi, e dar uma cara contemporânea ao clássico. Um ano depois, ele dá mais passos ao posto de cantor romântico da nova geração.
Também em 2015, Lúcio Silva de Souza homenageou Marisa Monte em shows dedicados à obra da cantora, e foi desse projeto que surgiu o quarto CD do músico um ano depois. Lançado na semana passada, Silva Canta Marisa é uma compilação de covers da carreira da musa carioca repaginados no mundo musical de Silva. É um encontro que mostra a capacidade do capixaba de criar belas harmonias e climas com suavidade e sutileza, além da sua voz cada vez mais segura para as serestas.
É um encontro que mostra a capacidade do capixaba de criar belas harmonias e climas com suavidade e sutileza, além da sua voz cada vez mais segura para as serestas.
As letras de Marisa Monte acabaram se tornando o material perfeito para Silva encontrar seu tom nas canções de amor. Assim como ao cantar Caymmi, ele usa com delicadeza a produção eletrônica e minimalista em cima de composições da MPB e do samba. Exemplo maior é “Ainda Lembro”, clássico que abre o disco logo de cara como melhor faixa. Silva não ousa mexer na letra da música e nem mesmo na estrutura, mas dá seus toques e cria ambientes com uma produção impecável. Mostra também que consegue melhorar seu vocal a cada ano, cantando com segurança músicas que, no imaginário popular, existem na voz incomparável de Marisa.
O sambinha tranquilo de “Pecado é Lhe Deixar de Molho” fica ainda mais leve nas batidas, “Não É Fácil” ganha vocais ecoados e levada sensual, “Tema de Amor” é um belo r&b eletrônico e a clássica “Beija Eu” se torna minimalista com pequenas batidas e trechos ao piano. Todas soam como novas, como uma releitura deve ser. Silva mantém a alma de Marisa no corpo renovado.
Claro que nem sempre a releitura funciona perfeitamente. Há um ou outro escorregão nas adaptações, como em “Eu Sei (na Mira)”, que soa um tanto perdida no que tenta ser, mas o pacote de canções escolhidas por Silva forma uma seleção coesa e muitíssimo bem executada.
O ponto fora da curva é a faixa inédita do álbum, “Noturna (Nada de Novo na Noite)”, um dueto de Silva com Marisa Monte. Faixa que, ao contrário das outras do disco, abraça o clássico. Piano e violino acompanham a voz angelical de Marisa em uma canção que segue o clima do seu nome, em dois minutos e meio quase operísticos. No mais clássico dos duetos, a dupla canta o refrão lado a lado, contrastando as vozes com muita beleza. Creio que com tal intenção, a música se diferencia de todo o resto do álbum.
Com originalidade e cartas incríveis na mão cedidas por Marisa Monte, Silva consegue fazer um dos seus melhores discos até hoje ao cantar canções que não são suas. Para ser assim bem executado, o cover (ainda mais de canções tão conhecidas) demanda um talento tremendo para não estragar ou copiar demais a obra original. Silva mostra que sabe o que faz e que é sim um dos grandes cantores da nova geração da música brasileira. Marisa dá a benção.