Enquanto as luzes se acendem e os fãs vão à loucura, o jovem passa os corredores, sobe as escadas e se encontra frente a frente com a multidão. Ele apenas acena, de maneira bem discreta, enquanto se acomoda no seu corner.
Não sabe dizer se aquilo ali é um palco ou um ringue, mas a sensação de cerrar os punhos e olhar para os dedos aumenta a confusão. O demais participantes sobem pela escada oposta, ovacionados tanto quanto ele havia sido. Eles cruzam o olhar, misturando sensações. Passam por aquele breve encontro o respeito, a admiração e a vontade de fazer um grande espetáculo.
Tudo pode acontecer ali e nada está programado, não existe um roteiro a seguir. Sabem que são os únicos responsáveis por dar o tom do espetáculo, cada qual no seu estilo e no seu modo de se apresentar. Os cabos são plugados e o microfone, enfim, empunhado. A multidão vai à loucura mais uma vez e o show está prestes a começar.
Além desse aspecto cinematográfico de contar, o jazz e o hip-hop possuem várias semelhanças em seus gêneros. E a maior de todas elas, a meu ver, é a maneira precisa de improvisação. Se de um lado temos o raciocínio e o manuseio das palavras e fonemas com qualquer condução rítmica, do outro temos músicos que não precisam de ninguém segurando um microfone. E o encontro entre esses dois gêneros, de maneira tão simples e pura, só poderia resultar em um dos trabalhos mais brilhantes do último ano.
Sour Soul foi lançado em 2015, parceria entre o rapper Ghostface Killah (ex-Wu Tang Clan) e os canadenses da banda BADBADNOTGOOD. E nesse encontro, que talvez não seja tão dominado pela improvisação, ainda assim cria uma ponte incrível de conexão entre dois dos gêneros mais brilhantes da música.
Começando por uma capa que lembrar um lutador envolvido na bandeira, a primeira pancada fica por conta do quarteto, que abre com “Mono”. A faixa logo dá espaço para que o MC se apresente de maneira precisa na faixa que leva os nomes do álbum.
O fato é que o álbum se torna tão cerebral que enquanto o rapper faz o lado racional, com discursos sóbrios e sensatos, a banda faz o emocional, brincando a todo momento com a percepção do ouvinte.
As características essenciais para se compreender o trabalho passam mais pelo modo se apresentar do quarteto do que do rapper em si. O tom quase hipnótico em que se apresentam cria uma atmosfera que transportam as letras para um tipo diferente de sensações. O fato é que o álbum se torna tão cerebral que enquanto o rapper faz o lado racional, com discursos sóbrios e sensatos, a banda faz o emocional, brincando a todo momento com a percepção do ouvinte, dando um background perfeito para o MC com o mic na mão.
Em uma tradicional do rap old school, é bem provável que tanto as letras quanto a entonação de Ghostface Killah pudesse se apresentar como mais do mesmo. Mas é pela batida suave do grupo que as faixas se apresentam com uma sutileza tão incrível que o material acaba sendo mais impactante do que nos comuns latidos raivosos. E a paixão dos integrantes pela sonoridade do hip-hop fica bem presente com maneira uniforme que eles encontram para conduzir o material inteiro.
Mesmo sendo um disco delicioso de se ouvir, Sour Soul é muito difícil aos ouvidos de quem se acostumou a sons mais simples. Na faixa “Ray Gun”, por exemplo, os artistas brincam com a sensação do ouvinte de uma maneira perspicaz. Conduzida de forma simples, a batida se intensifica à medida que a letra toma o mesmo caminho, fazendo com que seu batimento cardíaco siga o ritmo da bateria. Já a faixa “Experience” é a prova final de que é o trabalho do grupo que faz o álbum ser genial.
Sour Soul é só mais um dos incríveis trabalhos que a BADBADNOTGOOD produziu ao lado de rappers. Consta no portfolio dos rapazes a presença de Earl Sweatshirt, Danny Brown e também Tyler, the Creator. Mas o álbum se torna icônico por botar no mesmo compacto a juventude da banda com a estrada rodada de uma figura lendária do hip-hop.
Se o céu cinzento e o frio persistirem nessa manhã de segunda-feira, solte o play em Sour Soul. Afinal, de improviso ou não, ele é a trilha sonora perfeita para quem quer improvisar alguns minutinhos de felicidade no próprio fone de ouvido.