Você pode não ser um grande fã do The Cure, mas é bem provável que tenha algum álbum deles guardado, nem que seja um The Greatest Hits. Se não, certamente reconhece algumas canções da banda que, volta e meia, ainda tocam por aí. É impossível ficar imune ao The Cure.
Quem me apresentou a banda, de forma verdadeira, foi a Eloisa, fã ardorosa, colecionadora e vizinha de janela. Eu tinha um respeito sacramental por ela porque quando ficava ao seu lado, ouvindo Bob Smith e companhia, não sei de onde vinha tanta melancolia. Se do vinil, ou dela mesma.
Há tempos não vejo a Eloisa, mas espero que ela tenha lido Nunca é o Bastante – A História do The Cure, do jornalista australiano Jeff Apter, que saiu em abril deste ano no Brasil pela Edições Ideal. A obra é um jornada de pouco mais de 300 páginas em que Apter leva o leitor a se perguntar por que o The Cure tornou-se, sem dúvida, uma das bandas mais promissoras da década de 1980. E por que ainda estão por aí?
Queria a Eloisa por perto para me ajudar nessa resposta, que para mim, continua tão obscura quanto os discos da banda. O que movia, e ainda move, Bob para seguir em frente, para não matar o The Cure ou a si próprio? Qual é a linha tênue que o separa de Ian Curtis, pelo fato de que Bob sempre demonstrou ser alguém que tiraria a própria vida, dadas as suas amarguras e total falta de perspectiva? Seria por Mary Poole, o amor de sua vida? Pelos mais de 20 sobrinhos que ele amou como se fossem filhos? pela grana alta que rolou nesses anos todos de banda? Talvez pelo simples fato de que o The Cure é uma extensão de Bob. Um não existe sem o outro.
Desde sempre Bob tinha dois focos em sua carreira: pegar pesado na sonoridade e desfazer a banda logo que pudesse. Nem uma coisa nem outra aconteceu.
No livro, Apter faz um relato sobre o início da banda (cujo nome inicial era Easy Cure, lembra?), a resistência de Robert “Bob” Smith, Laurence “Lol” Tolhurst e Michael “ Mick” Dempsey de saírem da zona de conforto da pacata Crawley, em Sussex, até o encontro com Chris Parry, fundador da Fiction Records e empresário do The Cure por muitos anos.
Desde sempre, Bob tinha dois focos em sua carreira: pegar pesado na sonoridade e desfazer a banda logo que pudesse. A primeira escolha ele concretizou, por muitas vezes. Quanto ao fim da banda, em vários momentos isso foi sinalizado, mas nenhum em definitivo. Para Bob, era difícil dar conta de tudo. Da tristeza, da imprevisibilidade de estados mentais e físicos, da constante troca de integrantes (foram mais de um dúzia), da jornada dupla que ele levava tocando, não só no The Cure, mas também com Siouxsie e os Banshees, além do The Glove, projeto que mantinha com Steven Severin, amigo de longa data que depois tornou-se desafeto.
O The Cure construiu uma discografia barra pesada, em particular com Seventeen Seconds (1980), Faith (1981), Pornography (1982) e Desintegration (1989). Por outro lado fez música pop insuportavelmente boa. Nociva, ainda, mas agora passeando pela frequência do rádio. The Top (1984) e Head on the Door (1985) firmaram, de vez, o The Cure como uma banda de estádio. E 1985 tornou-se o ano deles.
Pornography foi o último segundo da bomba. Sem dúvida deve ter sido o disco mais difícil de gravar. Muita droga e pouco sono. Uma salgada conta de 16 mil libras em cocaína e, literalmente, uma montanha de latas de cerveja, cujo tamanho chegou a 1,5 m, foi adicionada ao orçamento. Nada que uma colocação do álbum do Top 10 britânico não pagasse. Quando Pornography foi lançado, a banda saiu em turnê. Ali o bicho pegou. Teve quebradeira no palco, no backstage. A treta certeira pra fechar a casa. Pelo menos por 18 meses.
Em meados de 1982, o The Cure se repaginava. Voltava mais pop, mais meigo, mas não menos melancólico. O pontapé inicial desta nova fase veio com “Let’s go to bed” e outros hits, todos transformados pelo diretor Tim Pope, em clipes que fizeram sucesso na MTV. De tímido e restrospectivo, Bob, aos poucos, foi se tornando um cara talentoso em frente às cameras. Agora o lovecat e sua camisa de bolinhas tinham virado obsessão para muita gente.
Em 1989, o The Cure lotava lugares com mais de 50 mil pessoas. A bilheteria ultrapassava um milhão de dólares. Durante a Prayer Tour, nos Estados Unidos, segundo Apter, a banda arrecadou 6 milhões de dólares e “atendeu” 270 mil espectadores.
E a década de 1990 chegou. Em 1997 Bob Smith virou personagem em South Park. O século 20 acabou e The Cure ainda está em cena, apesar de não lançarem material novo desde 2008. Há uns dois anos vieram para o Brasil. Três horas de show em que misturaram toda essa história contada um pouco aqui e na íntegra no livro de Apter. Confesso que não tenho acompanhado com tanto afinco os lançamentos da banda. Ainda prefiro me debruçar na velharia. Hoje ouvir a parafernália dark já não me afeta.
Em uma das páginas do livro, você encontra Bob dizendo “O sol vai nascer se eu estiver aqui ou não, então é melhor eu ficar aqui enquanto puder e tentar encontrar alguma diversão”. A diversão, que começou com “Killing in a Arab”, não tem data para acabar.
Eloisa, me conta.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.