O sonho de quase todo jovem desde a adolescência é montar uma banda. Ele vai até a loja com a mesada que economizou durante muito tempo e procura pela guitarra mais barata, mesmo que ela seja usada.
Depois de torturar o ouvido dos pais por noites incansáveis, ele se junta a mais um amigo que diz tocar bateria e outro que é jogado para o baixo. Eles começam a tocar na garagem ou então começam a contar as moedas para alugar um estúdio.
Claro que tudo isso é um relato quase estereotipado da adolescência. Se voltássemos aos arquétipos de Platão e Jung, esse claramente viria com um cabelo ensebado e uma camisa de flanela xadrez por cima da desbotada camiseta do Nirvana. Mas é bem assim que muitas das bandas consagradas sob o rótulo do garage rock aparentam contar a sua história.
O garage rock, em minha opinião, sempre foi mais um lifestyle dentro da música do que um gênero em si. Por trás dessa classificação, você tem um catálogo imenso de bandas que só têm em comum o aspecto de tocar um som mais cru, em que a gravação em mono é a opção preferida em relação ao estéreo.
Existem bandas nessa segmentação que transitam do surf ao punk rock e do psychedelic ao stoner. E tem também as que dão mais ênfase a origens cruas do rock dos anos 60 e 70 com variações de efeitos e equipamentos, como as duplas Black Keys, Royal Blood e, mais para trás um pouco na linha do tempo, o próprio The White Stripes.

Por trás dessa classificação, você tem um catálogo imenso de bandas que só têm em comum o aspecto de tocar um som mais cru.
Com essa escola de sonoridade, nossa década atual tem apresentado um cenário consideravelmente favorável a eles. Basta ver que hoje bandas como The Black Keys, o Band of Skulls, Cage the Elephant e Jack White tem figurado mais entre os fones de ouvido dos mais jovens aos mais velhos. A dupla de cozinha Royal Blood tem arrancado elogios até do lendário Jimmy Page; e se não bastasse, um grupo inglês vem de lá do topo do mapa europeu com um som diferente e que encanta justamente por não se parecer com aquele típico rock inglês em momento algum.

Assim como The Black Keys e Royal Blood confundem os ouvidos inocentes e os surpreendem quando se revelam duplas, The Heavy surpreende por unir em seu som de garagem fortes influências do southern, soul, funk e hip hop — gêneros majoritariamente norte-americanos — à pegada inglesa apaixonada e vibrante.
Em todo o trabalho do grupo, certamente The Glorious Dead (2012) é o mais apaixonante. Gravado na Georgia, com a alegação de conexão e contextualização com a alma sulista, o grupo liderado pelo vocalista Kelvin Swaby trouxe um álbum incrível, daqueles dignos de estampar a vitrine de uma loja de vinis.
Abrindo com “Can’t Play Dead”, The Heavy já mostra um cartão de visita garagista. Riffs crus e um vocal bem compassado entregam uma linda faixa de abertura que já é contrastada logo na sequência pela excelente “Curse Me Good”.
Essa sequência aguça os mais curiosos e megalomaníacos a imaginar como seria uma session se o The Black Keys convidasse Cee Lo Green para cantar. Em seguida, “What Makes a Good Man” traz uma batida lenta e bruta do rap norte-americano dos anos 80, acompanhada de uma guitarra psicodélica e um vocal gentil e cativante.
O álbum não segue nenhuma fórmula previsível, apenas deixa suas influências narrarem uma história utilizando elementos do funk com o rock, do hip hop com o blues e até do pop com o jazz. Prova disso é a sequência final com as três maravilhosas “Lonesome Road”, “Don’t Say Nothing” e “Blood Dirt Love Stop”.

The Heavy é uma daquelas surpreendentes bandas que também saem da garagem para os fones de ouvidos e que cativam e deixam até o corpo mais duro extremamente motivado a soltar as ferrugens e bater palmas no tempo certo.
Para essa garotada nova que está começando a juntar seus trocados para comprar a primeira guitarra e juntar uns amigos na garagem de casa, The Heavy tem muito a ensinar. Então, partiu escutar mais um pouco, né?