Poucos artistas mantém uma obra tão equilibrada e forte quanto PJ Harvey. Do pós-punk de Dry ao áspero Rid of Me, passando pelo icônico To Bring You My Love e pelo pop Stories From the City, Stories From the Sea, a britânica Polly Jean Harvey marcou seu nome como uma das maiores artistas da sua geração ao explorar temáticas variadas, mas sempre densas, através de canções que mesclavam aspereza e delicadeza, obscuridade e alegria. O ponto central de sua obra, como a própria define, é a não repetição. Camaleônica? Não necessariamente, mas algo próximo disso.
Seu nono álbum, The Hope Six Demolition Project, marca o retorno da cantora, compositora e poetisa cinco anos depois do aclamado Let England Shake. Lançado em abril deste ano, ele é mais um capítulo neste olhar particular de Harvey para o mundo, que nunca escondeu que sua obra tem um forte viés político. Contudo, de lá para cá a cantora pouco apareceu. Já não é de hoje que PJ Harvey é avessa à imprensa, o que acaba dificultando a compreensão do verdadeiro ponto de partida de seu novo trabalho.
O fato indiscutível é que The Hope Six Demolition Project é inspirado no projeto de moradia e habitação do governo norte-americano chamado HOPE VI, no qual habitações precárias e com altas taxas de criminalidade foram demolidas para a construção de novas e melhores moradias. Entretanto, isso acarretou em um processo de gentrificação, ou seja, os antigos moradores passaram a não ter mais condições financeiras de se manter ali, o que gerou inúmeros protestos contrários ao projeto, que chegou a ser apontado como uma tentativa de limpeza social.
Para a composição do disco, Harvey montou uma espécie de laboratório onde trabalhava as influências que permeariam as canções. Dividida entre Kosovo, Afeganistão e Washington, foram três anos em que ela rascunhou The Hope Six Demolition Project ao mesmo tempo em que dava início à construção de seu livro de poesias, The Hollow of the Hand, lançado juntamente com o LP. Mas não foi só isso.
É impossível não considerar The Hope Six Demolition Project o disco mais emocionante da cantora em anos, unindo com maestria elementos que estavam presentes em seus últimos trabalhos.
PJ Harvey optou por um processo de gravação em que as sessões eram abertas ao público como parte de uma instalação de arte no Somerset House, em Londres, chamada Recording in Progress. Cada sessão durava 45 minutos e levou cerca de um mês, entre janeiro e fevereiro de 2015. Esse feito trouxe um caráter de transparência total ao disco, o aproximando ao máximo de um trabalho coletivo a várias mãos. O resultado não poderia ter sido melhor: The Hope Six Demolition Project estreou em primeiro na parada britânica, um feito inédito na carreira da cantora inglesa.
É impossível não considerar The Hope Six Demolition Project o disco mais emocionante da cantora em anos, unindo com maestria elementos que estavam presentes em seus últimos trabalhos, com a força de seus principais discos. E tudo ganha novos contornos quando você enxerga que Harvey analisa recortes perversos da humanidade com palavras afáveis, preenchendo as faixas com um otimismo necessário mais do que nunca.
Os arranjos carregam uma roupagem transgressora, aclimatando nossos ouvidos para o mergulho proposto pela cantora na realidade deste universo tão distante e, ao mesmo tempo, tão próximo. PJ Harvey leva a canção de protesto a um novo patamar, um nível próprio, digno apenas de sua singularidade. Pode não ser – e não é – o seu melhor disco, mas cabe como uma luva neste 2016 em que o mundo necessita entrar em contato com seu lado mais questionador.