“Me conte do desespero, o seu, e eu lhe contarei do meu. Enquanto isso, o mundo gira”. No poema “Wild Geese”, a norte-americana Mary Oliver fala sobre encontrar o seu lugar em meio aos problemas, sobre deixar o lado leve aparecer e apreciar o mundo: “seja que você for, quão grande sua solidão, o mundo está ali para sua imaginação, lhe chamando como o fazem os gansos selvagens, tão duro quanto excitante”.
É desse poema parte das referências de “Soft Animal”, uma das canções de Goodness (2016), terceiro disco de estúdio da banda de Massachusetts The Hotelier. E as palavras de Mary Oliver dizem muito sobre as palavras dos artistas aqui, que são grandes representantes de uma nova safra do rock dos Estados Unidos que não teme ser poética.
O The Hotelier (que nasceu The Hotel Year) é uma das bandas de mais destaque na cena do emo revival norte-americana. Hoje como um trio, eles são responsáveis por um dos discos que devem constar em qualquer lista que pretende definir tal movimento: Home, Like No Place Is There (2014). Um álbum de rock direto, cru e urgente que bebe das fontes do emo/pop punk/hardcore dos anos 90 para criar um dos melhores e mais pesados discos de rock contemporâneo dos últimos anos. Sobre suicídios, depressão e relacionamentos abusivos (em “Housebroken”, uma das melhores músicas sobre o tema já escritas até hoje), foi um trabalho fundamental para mostrar o The Hotelier ao mundo e o estabelecer o estilo idiossincrático de escrita do vocalista Christian Holden. Letras longas, fora de padrões e com escrita quase em prosa poética dão o tom.
Se o disco anterior era pesado e cheio de assombrações, o novo registro do The Hotelier é uma busca pela luz.
Goodness é a sequência que Home… merecia ao ampliar o leque de harmonias do trio e mergulhar ainda mais na criatividade de Holden. Se o disco anterior era pesado e cheio de assombrações, o novo registro do The Hotelier é uma busca pela luz. Com a temática recorrente da reconstrução após um relacionamento rompido, a banda consegue criar algo bem diferente do que já existe. As guitarras seguem urgentes, o vocal continua cru e as guitarras parecem se enfrentar em melodias contra qualquer padrão convencional. São heranças do gênero que vêm lá do math-rock, influenciaram o emo e vivem tão claras em bandas como Algernon Cadwallader e The World Is a Beautiful Place & I am no Longer Afraid to Die. O The Hotelier usa toda essa bagagem aliada às letras inteligentes para se destacar não só em sua cena alternativa, mas no rock em geral.
Ao lado de bandas como o Modern Baseball, que também lançou um grande disco em 2016, o The Hotelier mostra bem como o emo cresceu nos últimos anos. São bandas que vivem em uma cena fechada e extremamente forte – inclusive no Brasil -, e que se adaptaram bem aos temas atuais. Era um meio que costumava ser quase que exclusivamente masculino e que hoje debate as próprias vivências e costumes para melhorar a comunidade e eventos como o Vans Warped Tour, que move boa parte da cena. Se o The Hotelier não grita contra a ex-namorada em suas canções de término e expõe relacionamentos abusivos nas letras, é por não querer repetir 20 anos depois o que algumas bandas tão importantes fizeram nos anos 90 ao consolidar o gênero. Um exemplo? O Brand New, banda tão relevante que serve de inspiração até hoje, que cantava sobre o desejo de ver a garota morta.
É com os sentimentos humanos que o The Hotelier lida bem. É com a mortalidade tratada em “Opening Mail for My Grandmother”, sobre os lados escondidos que cada pessoa guarda e se tornam visíveis à luz da lua, sobre um desejo simples e único de viver. Trata-se de uma banda necessária e relevante na música atual, em uma cena que – como já repeti em vários textos – mantém viva uma fagulha de originalidade no rock atual. O The Hotelier é um dos melhores da safra e merece ser ouvido.