Janet Jackson é, para muitos, sempre lembrada como a irmã de Michael, mas ela é bem mais que isso: com marca superior a 160 milhões de álbuns vendidos no mundo, ela já venceu 7 prêmios Grammy, incluindo aí seu feito de ser a única mulher negra a ganhar um prêmio de produtora musical.
Miss Jackson é dona de discos ótimos como Control e Rhythm Nation, porém, sua carreira entrou num limbo após um incidente esdrúxulo: no SuperBowl de 2004, em uma perfomance ao lado de Justin Timberlake, seu seio direito ficou exposto por cerca de meio segundo na tela dos lares norte-americanos.
Claro que seu mamilo, com um piercing, foi o suficiente para despertar a ira do puritanismo tacanho dos estadunidenses, que atacaram Janet de todas as formas por um errinho banal. O exagero em torno do caso levou a normas mais restritivas dos conteúdos ao vivo da TV americana e, claro, acarretou uma queda brusca na carreira de Jackson (o oposto ocorreu com Timberlake, que viu sua carreira só crescer após o fato).
Os anos 2000 foram difíceis para a cantora, que teve que correr e muito atrás de limpar a sua imagem perante o público dos Estados Unidos, isso enquanto era cada vez mais boicota pelas emissoras norte-americanas de rádio e TV, isso tudo ao mesmo tempo em que a indústria fonográfica ruía, o que fez Janet Jackson vender cada vez menos álbuns. De 2004 pra cá, ela já lançou três discos, entre eles Unbrekable, de 2015, um discão de R&B, cheio de potenciais hits que não aconteceram, certamente por essa eterna mágoa de seus conterrâneos.
Se retornarmos no tempo, outro disco muito importante de Janet Jackson também surgiu após uma fase ruim de sua vida: em 1995, Janet lançou “Scream”, o clipe mais caro da história, ao lado de seu irmão Michael, numa faixa que era como um grito de revolta depois de todas as acusações de abuso sexual infantil que ele sofreu; já em 1996, Janet se afastou completamente da mídia e cancelou sua turnê, ela ficaria um ano paralisada pela depressão; é desse momento de dor que surge The Velvet Rope, que é, certamente, seu melhor disco e que corrobora de forma certeira seu epíteto de Rainha do R&B.
Antes de todas as polêmicas filmadas pela TV, nós sabemos que a infância e a adolescência dentro da família Jackson não deve ter sido algo simples. Sempre se questionam os problemas de Michael Jackson pelo viés de sua criação; com Janet não é diferente: sabe-se que seu pai era autoritário e violento e que durante toda sua adolescência e início de carreira ela lutou para se afastar do domínio paterno e dos dramas de sua família, que eram constantemente expostos na mídia. Nessa fuga, ela se envolveu em relações abusivas e violentas com seus primeiros maridos, porém, é nesse passado de sofrimento, que inclui violência na infância, anorexia e automutilação na adolescência, que Janet Jackson encontra o material para The Velvet Rope, enfrentando seus fantasmas do passado e do presente.
‘The Velvet Rope’ é, certamente, seu melhor disco e corrobora de forma certeira seu epíteto de Rainha do R&B.
O álbum funciona como um olhar da cantora a todas essas dores do passado, encarando-as de frente pela primeira vez, transformando a dor em dança, suor e lágrimas, tudo isso em faixas diversas: “What About” é uma música poderosa em que a cantora encara sem medo seus traumas passados sobre relações abusivas e violência doméstica; “Together Again” funciona como uma balada romântica entremeada de batidas eletrônicas, numa letra dedicada a um amigo falecido em decorrência do HIV; “Empty” funciona como um trip-hop – no maior estilo de Björk da mesma fase – falando sobre o amor e a solidão; “Rope Burn” é incrivelmente sedutora e dá a entender que fala de bondage e outras fantasias sexuais; “Free Xone” celebra a diversidade sexual e é feita para as pistas.
Dentre todas essas, destaca-se “Got ‘Til It’s Gone”, faixa romântica com participação do rapper Q-Tip e um sample inusitado de Joni Mitchell. Além disso, todas as faixas são entremeadas por interlúdios, como o que Janet Jackson ri com amigas enquanto alguém repete a clássica frase “fasten your seatbells, it’s gonna be a bumpy night”, dita por Bette Davis no clássico A Malvada.
The Velvet Rope, o título, se refere especificamente à corda de veludo que é usada em estreias e lançamentos para separar o público das celebridades, separando os reles mortais dessas figuras míticas, e é nesse sentido que o disco de Janet se encaixa: é como se, aqui, ela nos deixasse atravessar essa linha e se apresentasse mais vulnerável, mais sincera do que os tapetes vermelhos e os palcos podem mostrar. A capa do disco, por sua vez, mostra o rosto de Janet Jackson quase coberto por seus cachos, algo incomum em discos pop, quando a cara da cantora é o foco central da arte.
De cabelos vermelhos, exibindo tatuagens e piercings, a fase The Velvet Rope mostra uma Janet Jackson mais madura, mais firme em sua busca estética e segura para caminhar entre canções que vão das pistas à calmaria, criando um cenário bem representativo da segunda metade da década de 1990: R&B, hip-hop, música eletrônica, trip-hop, folk e jazz. Este disco é o precursor do que artistas como Frank Ocean, Miguel, FKA twigs e Tinashe fariam no futuro: tudo está em The Velvet Rope de forma bem estabelecida, inteligente e sensual.
Buscando encontrar-se interiormente, Janet nos entrega um trabalho que causa identificação em todos aqueles que já sofreram dores secretas, temores intensos e que amaram mais os outros do que a si mesmo. The Velvet Rope tem mais de uma hora e 15 de canções românticas, dançantes e que apontam um futuro, mas que mais que tudo apresentam uma cantora forte, que fala sobre amar a si própria e lutar pela felicidade num tempo em que empoderamento ainda não era uma palavra da moda.
De caráter intimista em suas letras e de olhar vanguardista em sua produção, The Velvet Rope é um clássico extremamente influente e que precisa seguir sendo valorizado. Aliás, Janet Jackson é uma estrela pop de força única e que precisa ser redescoberta pelas novas gerações.