Mais do que músico, Jordan Dreyer é poeta, contador de histórias. Suas letras intrincadas e emotivas são um dos principais motivos para La Dispute ter se tornado um dos grandes nomes do post-hardcore atual. Desde 2004, entre vários EPs e projetos menores, eles lançaram três álbuns — cada qual com conceito e sonoridade próprios.
A trajetória do grupo se assemelha a um processo de crescimento. Musical e liricamente, La Dispute nasce urgente, explosivo e verborrágico — um adolescente em fase de descoberta. Ao longo dos anos, passa a enxergar além das suas angústias pessoais, se inconforma e tenta entender as dores do mundo. No fim, volta a si mesmo, sem respostas definitivas, em mais uma tentativa de autocompreensão.
O primeiro álbum, Somewhere At The Bottom Of The River Between Vega And Altair (2008), é baseado em um conto chinês no qual dois amantes são separados por um rio que eles só poderiam atravessar uma vez por ano.
Elementos dessa história permeiam as 13 faixas do disco, mas Dreyer não se dedica a contá-la de verdade. O conto serve mais como um ponto de partida metafórico para tratar de temas como separação, melancolia e amores perdidos ou proibidos.
A trajetória do grupo se assemelha a um processo de crescimento. Musical e liricamente, La Dispute nasce urgente, explosivo e verborrágico.
O vocalista constrói narrativas e cenários por meio de metáforas, jogos de palavra e vocabulário rebuscado. O flerte com a poesia já se revela pelo título da primeira e última faixa (“Such Small Hands” e “Nobody, Not Even The Rain”), trechos retirados do poema “Somewhere i have never travelled, gladly beyond” de E.E. Cummings.
A música “The Last Lost Continent”, penúltima do disco, consegue agregar todos os elementos que tornam as letras da banda emocionalmente impactantes. Ao longo de 12 minutos, Dreyer tenta lidar com seu comportamento egoísta e autodestrutivo. Ele transformou suas angústias, seu sofrimento, em “zona de conforto” — os prolongando intencionalmente. Enquanto isso, outros ao seu redor sofrem por não terem outra opção.
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É uma obra-prima que ganha ares de “hino”, quando, no final, várias vozes se unem para cantar os versos: “Nós somos aqueles que amam, nós somos os últimos de nossa espécie / Mas se deixarmos nossos corações moverem-se para fora, nós nunca morreremos”.
O segundo álbum, Wildlife (2011), traz uma banda mais madura e disposta a experimentar. Esse disco possui um conceito mais fechado e polido. Por meio de diferentes histórias, Dreyer busca entender de onde vem a força de pessoas que encaram e superam a morte de entes queridos, a doença e demais tragédias que perpassam suas vidas. Ele deixa os floreios de lado e recorre mais a narrativas diretas, histórias verossímeis, que contam com fluidez e sensibilidade.
Há faixas em que Dreyer se dirige a um interlocutor indefinido – provavelmente o próprio ouvinte — como se escrevesse cartas ou entradas em um diário (“a Departure”, “a Letter”, “a Poem”, “a Broken Jar”). São momentos em que tenta extrair o significado de todo esse sofrimento, entender seus próprios medos e dúvidas, encarar sua mortalidade e superar os momentos difíceis pelos quais também passa.
A catarse vem em “All our bruised bodies and the whole heart shrinks”, uma verdadeira terapia coletiva na qual todas as histórias se misturam e Dreyer oferece um ombro amigo (“Me diga quais são seus maiores medos, aposto que se parecem muito com os meus”).
Em Rooms Of The House (2013), ainda há momentos explosivos, mas, de forma geral, a banda assume uma postura mais intimista. Longe dos sofrimentos do mundo, Dreyer volta a si mesmo. De maneira não-linear, ele reconstrói etapas de um relacionamento que ruiu. As faixas são como polaroids que resgatam momentos, frases e gestos, tanto dos dois amantes como de suas famílias (“Pequenos pontos em uma linha do tempo que não tem fim”).
Dreyer busca o significado e o sentimento naquilo que é aparentemente banal (“Todos os movimentos de um amor ordinário”), abandonando de vez as metáforas rebuscadas em favor de outras mais simples, porém, não menos efetivas.
Ele se apropria da imagem da casa para falar do amor real, de fragmentos e memórias. Seja ao lembrar dos bons momentos na rotina do casal (“Woman (In Mirror)”) como das brigas que pareciam não resolver problema algum (“Mas acho que no fim nós só movemos móveis de lugar”).
Na última faixa, “Objects in Space”, Dreyer está recolhendo seus pertences, prestes a se mudar da casa na qual vivia como casal. A sua mulher já foi embora, apesar dele ainda sentir a presença dela, reflexo de uma rotina que se rompeu (“Woman (Reading)”).
Sóbrio, reflete sobre os momentos que deram significado ao que eles viveram, sobre como outras histórias passaram por aquela casa, na qual ele também sentia a presença de outros habitantes que fizeram parte dessa linha do tempo interminável.
Ele sabe que, no fundo, a história dos dois como casal também irá assombrar o que um dia foi lar para ambos. Por isso, a metáfora da casa, apesar de simples, é impactante. Ao remover os móveis e pessoas que habitam a casa, fica uma constante: o vazio. Uma presença não-presente, espaço no qual histórias de vida viram fantasmas e lembranças.