Nos últimos anos, as novelas passaram a lutar cada vez mais por audiência, numa busca por um público disperso entre internet, streaming e um leque cada vez maior de conteúdos. Nesse bolo, as trilhas sonoras de novelas acabaram perdendo sua importância na definição do que é sucesso e do que toca nas rádios. Em tempos de sertanejo universitário dominando todos os mercados, as trilhas de novela não conseguem mais emplacar grandes hits como conseguia anteriormente, o que será que isso significa?
Todo o brasileiro nos últimos 40 ou 50 anos acabou sendo atingido por alguma trilha sonora de novela, queira ou não queria. As trilhas da Rede Globo eram sinônimos de hits para artistas como Rita Lee, Gal Costa, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e Maria Bethânia no final dos anos 70 e durante a década de 1980; muitos inclusive gravaram canções especialmente para as novelas. Há muitos artistas que se tornaram estrelas a partir de trilhas de novelas, como Lady Zu, As Frenéticas, Oswaldo Montenegro e Guilherme Arantes.
Muitas carreiras de artistas internacionais também foram impulsionadas no Brasil através de sua presença em novelas. Dancing Days, por exemplo, é fundamental para o sucesso estrondoso da disco music com o grande público brasileiro, e apresentou artistas como The Commodores, Village People e Genesis.
O tempo de execução das faixas nas novelas era um fator fundamental para que a música ecoasse na sua cabeça.
Nos anos 90, por exemplo, a carreira de Sheryl Crow foi impulsionada pela execução de seu cover de “All By Myself” na novela Pátria Minha. O cover vinha junto com o single “Run, Baby, Run”, que foi praticamente um fracasso nos Estados Unidos; já no Brasil, seu disco de estréia, Tuesday Night Music Club, foi lançado com um selo na capa dizendo “Inclui ‘All By Myself’, tema da novela Pátria Minha”, faixa extra na versão nacional do disco. “Run, Baby, Run”, por sua vez, se tornou um hit por aqui quando foi trilha sonora da novela História de Amor, em 1995, prolongando a vida útil do ótimo disco de estréia de Sheryl.
Alguns fatos podem explicar esse sucesso gigantesco que as músicas assumiam após serem executadas em uma novela. Primeiro, cada personagem tinha sua trilha durante toda a novela; “Run, Baby, Run”, por exemplo, tocava a cada cena em que Lília Cabral aparecia chorosa em História de Amor. Aliás, no caso de personagens protagonistas, era comum que eles possuíssem uma canção nacional e outra internacional como trilha. Por sinal, algumas faixas internacionais se tornaram eternamente associadas às novelas por aqui — quem consegue ouvir “Love by Grace”, da Lara Fabian, sem lembrar Camila de Laços de Família?
Quando a música não era trilha do personagem, ela servia de música incidental para variadas cenas, como o caso do estranho hit “Follow You”, do Sect (antiga banda de Gui Boratto e Patrícia Coelho), que tocava incessantemente a cada passagem de tempo em História de Amor. Aliás, o tempo de execução das faixas nas novelas era um fator fundamental para que a música ecoasse na sua cabeça e logo você pedisse a faixa na rádio, comprasse o disco da novela e, se o amor fosse tanto, comprasse o disco daquele artista.

Quer fazer um teste? Assista algum capítulo de Por Amor, atualmente no ar no Viva, e logo após você estará com “Palpite”, de Vanessa Rangel e “Per Amore”, de Zizi Possi, na cabeça. “Palpite” toca, também, muitas vezes em sua versão instrumental na novela, para deixar ainda mais o violão em nossa cabeça — curiosamente, muita gente até hoje acha que “Palpite” é de Adriana Calcanhotto, que nunca chegou a cantar essa faixa; porém, ela é outra artista que deve muito de seu sucesso a sua presença em trilhas de novela; discos como Senhas e A Fábrica do Poema são donos de uma poesia quase hermética e, por sua constante presença na TV, acabaram se tornaram sucessos comerciais.
Com a venda cada vez menor de seus discos de trilhas de novela, a Globo já tentou variados meios de reverter essa situação: lançamento conjunto de trilha nacional e internacional; lançamento de EPs das trilhas e até lançamentos digitais especiais. Numa tentativa de comunicação com a classe C, eles buscaram inclusive incluir faixas mais populares em suas trilhas, como no caso da novela Caminho das Índias, que trazia Calcinha Preta em sua trilha, com a faixa “Você não vale nada”. A música, no entanto, já era um sucesso popular bem antes, na voz do Aviões do Forró; a tentativa da emissora era, assim, atirar num alvo certo: canções populares que já eram sucesso radiofônico.
Essa atitude da emissora carioca ainda hoje segue, pois o sertanejo universitário domina o mercado fonográfico atual sem estar presente nas trilhas ou mesmo nos programas da Globo; atualmente, a emissora tenta reverter isso e surfar nessa onda inserindo as canções em sua programação.
Por outro lado, voltou a apostar em caminhos diferentes também: Velho Chico teve sua trilha lançada através de EPs virtuais, que traziam uma versão renovada do clássico “Tropicália”, de Caetano Veloso, e faixas de Ná Ozzetti e Zé Miguel Wisnik, Gal Costa, Thiago Pethit, Tiê e Bárbara Eugênia, artistas bem distantes do que toca na rádio. Além disso, Velho Chico trazia a faixa inédita “Mortal Loucura”, de Maria Bethânia (composta por Zé Miguel sobre poema de Gregório de Mattos).
Bethânia é figura curiosa nesses tempos: ela tem lançado diferentes singles digitais inéditos apenas para as novelas da Globo, como “Era pra ser” (Adriana Calcanhotto) para A Lei do Amor; “Casinha Branca” em versão renovada para Êta Mundo Bom! e “Eu Te Desejo Amor” para a novela Babilônia.

Artistas considerados alternativos tocam constantemente em novelas da Globo, como Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e Alice Caymmi, por exemplo. Mesmo assim, isso não significa grandes sucessos comerciais para eles. A Tiê, surpreendentemente, até conseguiu o feito de emplacar a faixa “A Noite”, após a execução da faixa na trilha de I Love Paraisópolis. Outro exemplo é a banda O Terno, que entrou na trilha sonora de Malhação este ano e viu suas execuções aumentarem e muito no Spotify, fazendo a banda chegar ao seu primeiro um milhão de plays na plataforma. Contudo, esses sucessos são mais pontuais. Hoje em dia, estar numa trilha de novela não é mais sinônimo de sucesso certo.
De qualquer forma, as novelas seguem sendo uma plataforma interessante para que novos artistas se comuniquem com um público maior. Muitas pessoas podem demonizar as novelas (especialmente os artistas independentes), mas elas assumem um papel importante de transmitir e comunicar diferentes canções, tirando muitos artistas desse espaço apenas de nicho.
O fato das trilhas sonoras não terem uma função mais tão decisiva no gosto do brasileiro é, até certo ponto, algo positivo, pois a dominação e pasteurização do que todos irão ouvir é algo negativo — vide a onipresença do sertanejo universitário em rádios, limando a participação de outros gêneros.
Positiva ou negativamente, as trilhas sonoras nos apresentam artistas diferentes e que podem ser muito interessantes. Nesse sentido, elas seguem sendo um catálogo muito bom para quem gosta de música e para quem torce pelo sucesso de seus artistas preferidos.