Seguir os mesmos passos de seus pais costuma ser uma decisão difícil, e isso independente de foi uma decisão exclusivamente sua ou se uma imposição. Além da cobrança externa, maior quando seu pai ou sua mãe são craques no que fazem, existe a sua própria cobrança, suas expectativas acerca do seu futuro. Indiscutivelmente portas podem se abrir, mas poucas (se alguma) se manterão abertas se não houver talento.
Rafael Frejat é mais um desses a enfrentar o peso de um sobrenome carregado de história. Filho do eterno membro do Barão Vermelho, Roberto Frejat, Rafael vem ganhando elogios com um talento só seu – ainda que tenha portas abertas em virtude da genética. A questão é que é inegável como ele e seus parceiros de Amarelo Manga, banda carioca que acaba de lançar seu primeiro trabalho, o álbum Nuca, pela Deckdisc, chegaram a um bom resultado.
E de amarelo-manga, a cor, o que há? Há, principalmente, a possibilidade de cruzarmos a identidade sonora do grupo com o amarelo dos colchões velhos, das paredes de casas antigas em que o reboco já cedeu, das fotos antigas que lutam contra a ação do tempo que insiste em apagá-las, ou amarelá-las. Esse amarelo que embaça a idade, o tempo e a razão serve de metáfora na construção deste trio que busca em referências passadas, meio amareladas, meio cor amarelo-manga, formas de construir um novo presente.
Evidentemente, há muitas camadas na banda provenientes do Frejat sênior, contudo, não é exclusivamente dele que partem as referências que preenchem Nuca. Há espaço para ótimas pinceladas de psicodelia setentista brasileira e alguns arranjos que evidenciam bem as origens dos músicos – além de Rafael, Julio é filho do poeta Mauro Santa Cecília, coautor de faixas como “Por Você”, e Leo Israel é filho do Kid Abelha George Israel, e colabora no projeto como baterista. Completa a banda o baixista Ricardo Kaplan.
A Amarelo Manga faz o que se espera de um grupo em que seus integrantes estão na faixa dos 20 anos: descarrega todas as certezas do mundo (aquelas que temos aos vinte).
Com nove faixas gravadas no fim de 2015, Nuca ganhou inclusive uma canção composta por Mauro Santa Cecíla, “Sob os Olhos de Um Oceano”, justamente a quebra rítimica do disco, um pop maduro em contraponto à psicodelia de “O Mesmo Sentimento”, “Canivete Suiço” e “Goela”, ou mesmo aos riffs de blues-rock de “Merthiolate”. A Amarelo Manga faz o que se espera de um grupo em que seus integrantes estão na faixa dos 20 anos: descarrega todas as certezas do mundo (aquelas que temos aos vinte), a fúria de quem tem nas mãos as soluções de todos os problemas do mundo – ou de seu próprio universo (como nós também já acreditamos ter).
Ainda que inevitáveis, as comparações da Amarelo Manga com suas origens soam pesadas (e desnecessárias). Em parte, porque eles não são a Barão Vermelho ou o Kid Abelha, tampouco temos nós vinte anos e nem somos morada de todos os sonhos do mundo. Justamente por isso, é interessante acompanhar um projeto que nasce procurando sua tribo em uma geração carente de vozes e representatividade.
O rock brasileiro se reinventa dia a dia e esta coluna é uma prova viva disto, procurando dar visibilidade ao que os radares por vezes não captam. Saibamos respeitar os contextos e suas épocas, afinal, a noite nunca tem fim, já cantava Cazuza.
NO RADAR | Amarelo Manga
Onde: Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Quando: 2015
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