Se pararmos para pensar em alguns nomes importantes da música alternativa triste da última década, provavelmente chegaremos em Bright Eyes, Death Cab For Cutie, Bon Iver… Cada um em seu estilo, mas representantes fortes da mais pura música deprê, aquela que às vezes te faz chorar e às vezes parece te abraçar e te enrolar com uma coberta. A tristeza deles é, de certa forma, algo bonito. É a história da beleza da melancolia. Nenhum deles é, no entanto, sincero como Mike Kinsella.
Uma verdadeira entidade da música emo nos últimos 20 anos, a família Kinsella é responsável por tantos projetos que ajudaram a definir o gênero e a cena alternativa de Chicago que é até difícil lembrar de todos os nomes. Começou em 1995 com o Cap’n Jazz e seu seminal math rock, depois o Joan of Arc, o histórico American Football e o adorado Owls. Mike, Tim e Nate Kinsella ajudaram a formar o gosto musical de muita gente – o meu inclusive.
Kinsella acaba de lançar seu nono disco como Owen, o primeiro depois da reunião (do American Football), e é um trabalho que traz na bagagem os 21 anos de história na música que ele carrega.
Mike é, no entanto, o que tem a música como uma condição sine qua non da sua vida. Desde 95 ele não parou, especialmente com o projeto solo Owen, que começou com um disco autointitulado em 2001. Era o músico dando sequência aos seus trabalhos anteriores de uma forma acústica, intimista, gravado no porão da casa da mãe. De todos os projetos, era o que tinha mais a ver com o American Football, banda dos Kinsella que lançou apenas um EP e um disco e não durou dois anos. Fez meia dúzia de shows em porões pelos Estados Unidos e acabou sem muito alarde. Seu trabalho, no entanto, faz parte dessas seletas relíquias descobertas tarde demais pelo público. Os discos lançados em 98 e 99 se tornaram clássicos cult da música emo e inspiraram uma porrada de novas bandas. Fazem parte de muitas listas de discos favoritos da vida, inclusive da minha.
A legião de fãs que o American Football ganhou depois que acabou fez com que a banda se reunisse em 2014 em uma turnê que trocou os porões dos anos 90 por grandes shows e festivais. Mas, por incrível que pareça, esse texto não é sobre o American Football. Kinsella acaba de lançar seu nono disco como Owen, o primeiro depois da reunião, e é um trabalho que traz na bagagem os 21 anos de história na música que ele carrega.
The King of Whys é um dos melhores discos do Owen até hoje e, talvez, o mais diferente de todos. O projeto solo de Mike Kinsella já tinha mais de dez discos lançados (contando EPs e álbuns de estúdio) e, em 15 anos de vida, manteve o conforto de não mudar drasticamente. Era sempre Mike e o violão em canções sobre a vida adulta, sofrimentos, ansiedade, encontro com a realidade e a noção de acordar, se olhar no espelho e perceber que mais um ano passou. O Owen evoluiu a cada disco conforme a vida do músico mudou. Hoje as músicas são sobre um cara que beira os 40 anos, é casado e tem filhos, e ainda não acredita ser capaz de cumprir com sucesso as tarefas da vida adulta. Mike Kinsella é o eterno trovador dos desajustados sem um grito de fúria, os desajustados que preferem ficar em silêncio presos em seus pensamentos. A beleza da sua melancolia é diferente da do Bright Eyes ou do Death Cab For Cutie. Ela é real, é palpável. Ele canta sobre uma série de erros que cometeu e defeitos que possui, como se pedisse desculpa por ser assim. Cutuca as próprias feridas e faz questão de dizer que não é uma pessoa tão boa quanto gostaria de ser.
No novo disco a história muda um pouco. Pela primeira vez o Owen é uma banda, ao contar com a produção de S. Carey (do Bon Iver e do Volcano Choir). A parceria multiplica a gama de sons e texturas nas faixas, traz harmonias sutis e grandiosas que se mostram logo de cara nas batidas fortes da primeira faixa, “Empty Bottle”. Além disso, o reencontro recente de Kinsella com o American Football o faz trazer muito da banda para The King of Whys. “Settled Down” tem o dedilhado rápido, os ecos no vocal e a bateria presente típica do American Football.
As letras, no entanto, continuam saindo do coração de Kinsella. “Tourniquet” é uma das faixas mais pesadas do Owen até hoje, sobre estar cansado de contar brigas e preferir ficar em silêncio com uma garrafa. No primeiro single e faixa que fecha o álbum, a belíssima “Lost”, ele dispara “Stay poor or die trying / Take the drugs I didn’t take / Lay the whores I didn’t lay / Because I was too afraid that I might like it”. É Kinsella sincero olhando para o passado, de uma juventude marcada pelo excesso de pensamentos que travam as nossas ações.
O Owen é um projeto extremamente autoral e traz muito de Kinsella em cada faixa de todos os seus álbuns. Ouvir a discografia do início ao fim e mergulhar em vidas, começar pela juventude, passar pelo casamento, pelo nascimento da filha (eternizado na canção “Oh, Evelyn” de 2011) e pelo momento em que envelhecer parece chegar sem você ter passado por uma aula a respeito. Desta forma, The King of Whys é um reencontro, mas não somente com Kinsella. É um reencontro com ele, com o Owls, com o American Football e com um toque de novidades no som. É bom te ver de novo.