No dia 01 de junho de 1967, os Beatles lançaram seu mais icônico trabalho. Um álbum que remodelou a concepção de fazer arte, levou a cultura pop para níveis inimagináveis e definiu o futuro da música. Da ideia da capa inovadora, aos experimentalismos sonoros sabiamente utilizados em cada uma das canções.
Do rock cru do riff inicial da faixa título, ao orgasmo orquestral ecoando magistralmente na última canção do álbum. Tudo soa magnífico. Sgt. Pepper’s revolucionou o universo musical e elevou os Beatles ao patamar de artistas definitivos da cultura no século XX. É um trabalho que consegue, simultaneamente, ser conceitual, vanguardista e comercial. É cultura pop, é arte. É Beatles.
O tamanho do impacto do oitavo álbum de estúdio da banda é inegável. Tudo bem que, àquela altura do campeonato, o Fab Four já possuía seu “Selo de Qualidade Beatles” e, muito provavelmente, qualquer obra que eles lançassem teria uma boa recepção. Inclusive, talvez surja daí a “irresponsabilidade” que cada membro da banda teve ao ousar de diversas formas no experimentalismo presente no álbum.
No entanto, Sgt. Pepper’s é tão significativo que deu margem para análises como a presente na revista Time, que o classificou como “uma saída histórica para o progresso da música – qualquer música” -, ou “um momento decisivo na história da civilização ocidental”, do jornal britânico The Times. O próprio George Martin, produtor da banda, alertou: “Ninguém seria o mesmo depois de ouvir esse disco”.
Mas por que tanto impacto atribuído ao trabalho de pouco mais de 40 minutos? Primeiro, o álbum foi concebido para apresentar os Beatles transmutados em uma banda fictícia. Travestidos nas figuras de quatro alter-egos, John, Paul, George e Ringo usaram uniformes coloridos, deixaram de ser os Beatles e assumiram outra identidade, transformando-se de reis do pop em gurus da experimentação.
O álbum todo representa uma banda que ansiava por liberdade artística e criativa. Os Beatles, já cansados do show business e da exaustiva rotina de shows ao redor do mundo, precisavam se refugiar na psicodelia e no experimentalismo que só a banda dos corações solitários poderia lhes oferecer.
Os Beatles, já cansados do show business e da exaustiva rotina de shows ao redor do mundo, precisavam se refugiar na psicodelia e no experimentalismo que só a banda dos corações solitários poderia lhes oferecer.
E o resultado disso? Simplesmente fantástico e vanguardista. “A Day In the Life” desconstrói o conceito de música e, com um vocal espectral, dramatiza o horror da morte (de Paul McCartney?) em um acidente de carro.
A outrora banda queridinha de adolescentes abandona a fantasia da cultura hedonista e faz música pop-erudita, cantando sobre os desesperos da geração hippie em “She’s Leaving Home”.
Os Beatles dão às costas para o que é comercial e resolvem cultuar a música indiana e bradar pela expansão da consciência em “Within You Without You”. Sem contar é, claro, coisas como o devaneio lisérgico de “Lucy in the Sky with Diamonds” ou a divertida e circense “Being for the Benefit of Mr. Kite!”.
Tudo isso utilizando-se de uma precária gravação em quatro canais. Quer dizer, hoje em dia, qualquer estúdio que receba uma banda independente é capaz de gravar em absurdos 128 canais, evitando a sobreposição de sons de cada instrumento, que não precisam ser passados de um gravador para o outro, como os Beatles fizeram. Entre 1966 e 1967, portanto, conseguir a sonoridade presente no disco, era uma tarefa no mínimo desafiadora e exigia fortes doses de profissionalismo.
E tem mais: a conhecidíssima e inúmeras vezes reproduzida capa de Sgt. Pepper’s se transformou em marco da arte contemporânea e do movimento da Pop Art. Apresentando figuras que vão desde Karl Marx, Aldous Huxley e Aleister Crowley, até Marilyn Monroe, Bob Dylan e Lewis Carroll, o colorido trabalho produzido por Peter Blake virou ícone da contracultura.
Por último, mas não menos importante, Sgt. Pepper’s pode ser considerado o primeiro álbum conceitual da história. A ideia de se colocar as faixas ininterruptas como se fizessem parte de uma só coisa, reforça o apreço que os Beatles tinham pela construção de uma identidade em cada trabalho. Com as faixas apresentadas sem intervalos, esse conceito vai além, e o álbum transmite a ideia de que deve ser consumido de uma vez só, sem pular faixas, como um filme ou uma peça de teatro.
O álbum, é verdade, pode ser considerado uma das crias de Paul McCartney. A partir de 1966, quando a banda deixa de excursionar e se dedica exclusivamente ao trabalho em estúdio, é Paul quem, aos poucos, vai assumindo as rédeas do conjunto. Inspirados em produções como Pet Sounds dos Beach Boys, o quarteto mergulhou fundo nos trabalhos em estúdio e, durante longos 6 meses, se debruçou sobre o projeto Sgt. Pepper’s.
O período tão longo de trabalho em apenas um disco, aliás, era algo inusitado para época. Ainda mais para os Beatles, sempre rentáveis no que diz respeito ao retorno financeiro de seus lançamentos que, até então, seguiam um ritmo de quase dois álbuns por ano. A demora em concluir Sgt. Pepper’s forçou os produtores da banda a lançarem outras duas esplêndidas canções gravadas na época – “Strawberry Fields Forever” e “Penny Lane” – como compacto, em fevereiro de 67, graças à pressão do empresário Brian Epstein para um novo material “beatle” neste hiato. “Um erro terrível”, lamentou o produtor George Martin sobre a não presença das duas cações em Sgt. Pepper’s.
No dia 01 de junho, as comemorações dos 50 anos do álbum significam o triunfo da ousadia e da experimentação. A consagração da capacidade de arriscar e inovar. Algo que redefiniu conceitos de gravação e inspirou e ainda inspira inúmeros outros trabalhos musicais. Cinco décadas após seu lançamento, Sgt. Pepper’s é responsável pela popularização da psicodelia e a transmutação da indústria pop. Quem mais poderia fazê-lo se não os Beatles?
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