Primeiro, uma introdução pessoal: a primeira experiência que eu tive com o The Doors aconteceu no fim da década de 1990, muito provavelmente em 98 ou 99. Em alguma das edições lançadas nessa época, a revista Showbizz (uma das encarnações da clássica e saudosa Bizz) encartou um CD promocional, que trazia sete faixas retiradas do The Doors Box Set, caixa com material inédito lançada pouco tempo antes.
A primeira música desse disquinho era, justamente, uma versão inédita da mesma canção de abertura do The Doors, álbum de estreia da banda: “Break on Through (To The Other Side)”. Tem jeito melhor de começar?
O ano era 1967, 50 anos atrás, e o local era Los Angeles, California, nos Estados Unidos. O governo do país continuava a enviar exércitos ao Vietnã, as crianças se divertiam com seus autoramas, James Bond dominava os cinemas em Casino Royale e Kurt Cobain nascia há alguns estados de distância para o norte. Ao mesmo tempo, uma banda, formada poucos anos antes, lançava seu disco de estreia e tentava abrir passagem em meio a tanta efervescência: essa banda era o The Doors.
Formado por John Densmore (bateria), Robby Krieger (guitarra), Ray Manzarek (teclados) e Jim Morrison (vocais), o The Doors chegou logo chutando a porta da cena. Depois de algum tempo compondo, ensaiando e tocando em bares lendários como o Whisky a Go Go, a banda entrou em estúdio para gravar um álbum que seria não apenas uma estreia sólida e competente, mas um marco definitivo para o rock’n’roll.
Misturando influências artísticas com a criatividade associada às drogas populares daquele tempo, The Doors é uma coisa única. O LP de estreia apresenta, ao longo de suas 11 faixas, as características que viriam a ser fundamentais na carreira da banda. As canções possuem marcas de gêneros diversos, do blues ao soul, unidos pela psicodelia, que se complementam e formam uma combinação muito peculiar.
Misturando influências artísticas com a criatividade associada às drogas populares daquele tempo, The Doors é uma coisa única.
Cada um dos músicos trouxe uma carga idiossincrática pesada, com abordagens bastante particulares aos seus instrumentos – aqui, inclusive, cabe ressaltar que o The Doors nunca teve um baixista, e a tarefa da condução dos graves ficava a cargo da mão esquerda de Ray Manzarek. A interpretação de Jim Morrison passeava com facilidade entre a gritaria rebelde e a impostação dos crooners, e suas letras eram elaboradas com referências a dramaturgos clássicos.
O resultado é uma obra pra lá de coesa, cheia de destaques, e que evidencia a esquisitice a que o The Doors seria associado posteriormente. The Doors abre com a já citada “Break on Through (To the Other Side)”, música acelerada, com uma levada de bateria inspirada – segundo o próprio John Densmore no The Doors Box Set – na bossa nova dos brasileiríssimos João Gilberto e Tom Jobim.
Das músicas de outros artistas gravadas no álbum, “Back Door Man”, cover de Willie Dixon, é Chicago blues de qualidade, que demonstra as habilidades técnicas de Robby Krieger em um solo inspirado. Ao mesmo tempo, “Alabama Song (Whisky Bar)”, versão de uma música do alemão Kurt Weill composta para a peça Hauspotille, de Bertolt Brecht, deixa clara a abrangência de gêneros que influenciavam a banda.
Também chama atenção nesse disco a inclinação que o The Doors tinha por deixar as coisas soarem sempre meio sinistras. “End of the Night” e “The Crystal Ship” – essa, talvez, a minha faixa favorita no álbum –, trazem arranjos que evidenciam uma linha a ser seguida em outros discos do grupo, como Waiting for the Sun ou The Soft Parade: um clima de incógnita, onde até as letras mais bonitas soam misteriosas e enigmáticas, como se algo estivesse um pouco fora do lugar.
Além, é claro, de outros dois clássicos incontestáveis: “Light My Fire”, a primeira música composta pro Robbie Krieger e o primeiro single da banda a alcançar o topo das paradas de sucesso, e “The End”, um épico que fecha The Doors com um instrumental tenso e letra impactante, baseada livremente na peça Édipo Rei, de Sófocles – terminar um LP com uma faixa que fala sobre querer matar o pai e transar com a mãe era coisa delicada naquele tempo (e imagino que seria até hoje).
1967 foi um ano bastante relevante para a música ocidental. O mundo recebia o disco de estreia do Pink Floyd e sua encarnação mais maluca, Piper at the Gates of Dawn. Ginger Baker, Jack Bruce e Eric Clapton, na forma de Cream, produziram o histórico Disraeli Gears. Aretha Franklin soltava o gogó, emocionava e fazia dançar com I Never Loved a Man the Way I Love You. Jimi Hendrix lançou não apenas uma, mas logo duas pérolas – Are You Experienced? e Axis: Bold as Love. Os Beatles vieram com aquela que é possivelmente a obra-prima da carreira da banda, o espetacular Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band.
E, ainda assim, apesar da concorrência pesadíssima, o The Doors conseguiu aparecer e escrever seu nome para sempre na história da música. Ainda bem.
VOCÊ CHEGOU ATÉ AQUI, QUE TAL CONSIDERAR SER NOSSO APOIADOR?
Jornalismo de qualidade tem preço, mas não pode ter limitações. Diferente de outros veículos, nosso conteúdo está disponível para leitura gratuita e sem restrições. Fazemos isso porque acreditamos que a informação deva ser livre.
Para continuar a existir, Escotilha precisa do seu incentivo através de nossa campanha de financiamento via assinatura recorrente. Você pode contribuir a partir de R$ 8,00 mensais. Toda contribuição, grande ou pequena, potencializa e ajuda a manter nosso jornalismo.
Se preferir, faça uma contribuição pontual através de nosso PIX: pix@escotilha.com.br. Você pode fazer uma contribuição de qualquer valor – uma forma rápida e simples de demonstrar seu apoio ao nosso trabalho. Impulsione o trabalho de quem impulsiona a cultura. Muito obrigado.