Desde que assumiu a presidência, Jair Bolsonaro estabeleceu que a cultura (artistas, órgãos, eventos) era um inimigo a ser combatido. Para minar o setor, nomeou para cargos indivíduos que agiram contra a própria área que comandavam, casos de Sérgio Camargo, na Fundação Palmares, e Larissa Peixoto, presidente do Iphan.
Larissa chegou a ter na Justiça pedido para afastamento do cargo. Integrantes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) acusam a presidente de agir para o desmonte do órgão, além de efetuar perseguição a integrantes.
O Iphan tem sido alvo de seguidas crises. Pastores já foram indicados para cargos de alto escalão, como o pastor Tassos Lycurgo, diretor do Departamento de Cooperação e Fomento do Ipahn. Em dezembro do ano passado, Lycurgo substitui acadêmicos com PhD por religiosos, ex-colegas de faculdade e um militar em uma comissão de avaliação de um prêmio do órgão, responsável por distribuir R$ 200 mil para projetos.
Bolsonaro em rota de colisão com o Iphan
A gestão de Larissa é considerada uma tragédia na cultura.
A gestão de Larissa é considerada uma tragédia na cultura. O Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, instância máxima do Iphan, responsável por regular a proteção do acervo cultural do país, chegou a ficar 1 ano e 8 meses sem se reunir. O intervalo é o maior em 65 anos, não encontrando precedentes nem mesmo durante a Ditadura.
Os encontros do conselho determinam o tombamento e registro de bens imateriais. A não realização deles faz com que os processos para preservação e registro fiquem paralisados. Com o acúmulo, estudos de campo necessários para o andamento das atividades não são feitos, deixando locais históricos em risco.
Vale lembrar que o histórico da gestão Bolsonaro com o instituto é repleto de percalços. Na reunião ministerial de 2020, a que ficou famosa pela frase do ex-ministro Ricardo Salles (de passar a boiada), o presidente externou sua insatisfação com a então presidente do órgão, Kátia Bogéa, que acabou demitida após reclamações do dono da Havan, Luciano Hang.
Hang conduzia uma obra que foi interrompida pela empresa contratada após ela reportar ao Iphan um achado arqueológico. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Kátia contou que as movimentações se iniciaram pela queda de diretores técnicos, seguida de coordenadores em importantes superintendências. Na sequência, a própria presidente foi substituída pela atual, Larissa Peixoto, amiga da família Bolsonaro, em maio de 2021.
Mudanças vem na esteira de acusações de aparelhamento
No início da tarde de ontem, o jornalista da Folha, João Gabriel, publicou uma reportagem em que contava a nova movimentação do governo. Após negar diversas vezes que mexeria no conselho do Iphan, o presidente Bolsonaro retirou membros que eram considerados seus desafetos.
Formado por 23 pessoas, sendo 13 representantes da sociedade civil com notório saber, reportagem da própria Folha já havia mostrado, através de documentos, que a gestão de Larissa vinha atropelando o órgão consultor, promovendo um aparelhamento com pessoas alinhadas ao governo.
Para tal, aproveitou-se de uma brecha criada por Bolsonaro, em 2019, quando, por decreto, extinguiu diversos conselhos federais que tinham participação da sociedade civil. Entre eles estava o do Iphan, posteriormente refeito.
BOLSONARO EXPULSA DESAFETOS DO IPHAN
Após negar que o faria, o governo Bolsonaro alterou o conselho do Iphan e, dentre os nomes que podia excluir, exluiu todos os que eram críticos à sua gestão –que também eram renomados em suas áreas.
Segue o fio, com @cmraes, na @folha 👇🧶 pic.twitter.com/rHmttOci4i
— João Gabriel (@oJoaoGabriel__) October 6, 2022
De todos os nomes que foram removidos do Conselho Consultivo por serem considerados críticos do governo, sobreviveram apenas os cuja nomeação é de responsabilidade de outras entidades. De acordo com nota divulgada pelo Iphan, “a designação de novos membros para o conselho consultivo do patrimônio cultural foi feita devido ao término de mandato previsto em norma”.
A entidade também fez questão de afirmar que os novos membros foram escolhidos a partir de critérios exclusivamente técnicos “e baseada no processo democrático”.
Em janeiro, os membros do conselho haviam elaborado um manifesto em que afirmavam que o atual governo promovia perseguição e desmonte do órgão. Dos 12 que assinaram o documento, oito tiveram sua retirada do conselho publicada no Diário Oficial de quinta-feira, todos cujas indicações são de responsabilidade da instituição.
Deixaram o grupo nomes como a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, Maria Cecília Fonseca, Márcia Sant’anna e Carlos Augusto Calil, este último ex-diretor da Cinemateca. Pelos documentos obtidos pela Folha, a mudança já poderia ter sido feita antes, já que não havia definição sobre o tempo de mandato dos membros de notório saber.
A situação é distinta dos oriundos do poder público e entidades independentes, cujo período é de quatro anos contados a partir da portaria do Ministério do Turismo de 8 de janeiro de 2021. De acordo com a legislação, a responsabilidade de indicar membros de notório saber é da presidência do Iphan.
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