Muito aguardada, a nomeação oficial de Margareth Menezes para o recriado Ministério da Cultura foi anunciada ontem pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O que também foi tornado público ontem foi o relatório final dos grupos temáticos do Gabinete de Transição de Governo.
As informações levantadas pelo grupo temático de Cultura mostram um cenário aterrorizante, apontado como “maior retrocesso em 20 anos” em termos de execução do orçamento destinado ao setor, como a levantado pela equipe da Escotilha em reportagem recente.
Além da extinção do Ministério da Cultura (MinC), promovida em 2019, o governo federal reduziu em quase metade a execução orçamentária. Desde 2016, a queda foi de 85% para administração direta e 38% na administração indireta. Como também mostrado por Escotilha, o Brasil é a única das 10 maiores economias mundiais a ter reduzido os investimentos para o setor.
A equipe chefiada por Margareth Menezes terá o duro desafio de implementar o Sistema Nacional de Cultura (SNC) e rever o Plano Nacional de Cultura (PNC). O Fundo Nacional de Cultura (FNC), principal mecanismo utilizado pelo governo federal para financiar o setor, também precisará de atenção.
O relatório da equipe comandada por Márcio Tavares, futuro secretário-executivo da pasta, mostrou que o FNC foi reduzido em 91%. A maior parte da verba ainda existente foi utilizada para manutenção, reduzindo as possibilidades de uso para seu real objetivo.
Governo Bolsonaro desmontou a Cultura
Reaproximar o governo dos setores culturais será outro desafio para a nova gestão. Nos últimos quatro anos, artistas e produtores foram abandonados, enquanto a pasta, comandada por diferentes perfis, sempre alinhados ao bolsonarismo, alimentou a “guerra cultural”, colocando importante setor como inimigo. Já as verbas acabaram destinadas a menos projetos, cada vez mais caros.
Inúmeros editais do setor cultural foram cancelados durante os quatro anos do governo Bolsonaro, com especial destaque à gestão de Mário Frias. Políticas públicas acabaram sendo extintas, o que levou à descontinuação de projetos, perseguição a servidores e sucateamento de instituições e órgão atrelados à Secretaria Especial da Cultura.
O estrangulamento da participação social precisará ser revertido pela futura gestão do MinC.
Relatório dos servidores da cultura divulgados com exclusividade pelo Nonada já haviam escancarado como a gestão autoritária, a falta de transparência e a descontinuidade de programas de fomento colocaram em risco a segurança e preservação de acervos físicos e digitais. A pandemia agravou o cenário, provocando grandes índices de desemprego no setor. As perdas estimadas do setor cultural apenas no biênio 2020-2021 é da ordem de R$ 69 bilhões.
Ainda segundo o relatório do GT de Cultura, a inoperância do governo federal na gestão da pandemia fez com que o faturamento do setor cultural fosse próximo a zero. Até 2019, os dados estimados da participação do setor na economia brasileira variavam entre 1,2% e 2,7% do PIB.
Outro elemento do diagnóstico apresentado no relatório final, o estrangulamento da participação social precisará ser revertido pela futura gestão do MinC. Dos 25 colegiados associados às políticas públicas de Cultura, 10 foram extintos, 3 paralisados e 1 apresenta problemas na formalização, totalizando 59% de colegiados afetados.
Revogações e revisões na área de políticas públicas de Cultura
Foram apresentadas pela equipe do GT de Cultura algumas sugestões para revogações e revisões. Em carta, o Fórum Nacional dos Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura já havia solicitado a revisão de atos considerados ilegais e infralegais praticados na gestão.
O grupo temático propôs que o Decreto 10.755/2021, que regulamenta o fomento a ações culturais via mecanismo de incentivo fiscal em âmbito federal, seja revogado. A ideia defendida pela equipe de transição é que seja criada uma nova regulamentação para o mecanismo.
Também foi sugerido ao presidente eleito Lula (PT) que edite despacho com orientação para o MinC a revisar alguns atos. Entre eles estão:
- Instrução normativa SeCult/MTur 01/2022, 02/2022 e 03/2022: estabelece os procedimentos para apresentação, recebimento, análise, homologação, execução, acompanhamento, prestação de contas e avaliação de resultados de projetos culturais financiados por meio de Incentivo Fiscal do Pronac;
- Portaria SEFIC/SeCult/MTur 210/2021: dispõe sobre os critérios de priorização da análise de propostas culturais recebidas pela Secretaria Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura;
- Portaria SEFIC/SeCult/MTur 604/2021: que proibiu o uso de linguagem neutra em projetos financiados pela Lei Rouanet.
Algumas sugestões de outros grupos temáticos devem impactar diretamente aspectos ligados à cultura. Entre elas, as que sugerem alterações em órgãos como a Fundação Cultural Palmares, como a desburocratização do reconhecimento de comunidades quilombolas. Também consta no documento o resgate e a valorização de lideranças negras, especialmente artistas que tiveram seus nomes retirados do rol de homenageados.
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